1. Prefácio
Tem algum significado tentar provar ou negar a existência de Deus no início deste terceiro milênio? Saramago em seu livro A Caverna diz que perguntar por alguém é dizer algo de nós mesmos. Portanto, nesta teodicéia quero dizer como um homem que mora em Teresina — Piauí — Brasil de quarenta e três anos de idade reflete sobre a existência de Deus. Como não tenho a capacidade de separar minha compreensão deste problema em razão, experiência, percepção, etc., farei uma abordagem própria que enfoque como penso e capto a realidade material-intelectual que me cerca.
Tanto o crente como o ateu pode honestamente colocar como pressuposto de sua investigação/reflexão a afirmação ou negação de Deus. Aqui usamos um jargão estatístico hipótese nula para designar o nosso ponto de partida sobre a existência de Deus no mundo que vivemos.
Acredito na singularidade da experiência de Deus que o homem pode fazer. Esta experiência pode afetar sua visão de mundo a ponto de encontrar no homem e no mundo os sinais da presença de Deus. Porém como esta experiência não é universal, a razão humana e a ciência moderna são incapazes de captar a realidade divina. Portanto, a visão de mundo, quando não informada pela experiência singular de Deus, não identifica os atributos de Deus. Esta é a tese defendida neste trabalho.
2. Introdução
Filósofos e teólogos do passado montaram um grande patrimônio metafísico sobre o que pode ser dito de um ser divino. As contradições dos sistemas metafísicos levaram ao descrédito deste tipo de saber filosófico mas não aplacaram o desejo de se conhecer a verdade. Portanto, embora possamos desconsiderar resultados anteriores, não podemos mascarar a interrogação a este respeito. Superou-se o cosmocentrismo, o teocentrismo e agora os antropocentrismos tem se mostrados insatisfatórios. Os extremos de materialismo e espiritualismo não satisfazem o homem do terceiro milênio. Este homem, que vive uma verdadeira euforia pelos avanços em todos os campos do conhecimento científico e pela sua implementação tecnológica, também será capaz de enfrentar tantos os novos desafios quantos os antigos, mas para que isto ocorra o conhecimento científico não pode desconhecer o saber filosófico nem o saber filosófico pode prescindir do conhecimento científico.
As vias de acesso ao conhecimento de Deus, também conhecidas como «provas da existência de Deus» têm como ponto de partida o mundo material e a pessoa humana. Mas nem o homem nem o mundo têm em si mesmos sua origem e destino. O homem se interroga sobre a existência de Deus postulando atributos como Ser, Beleza, Bondade, Perfeição, Amor. Será que, na visão de mundo própria de nossa época, ainda podemos identificar estes atributos?
3. Considerações sobre o espaço e o tempo
Os atributos de Deus da onipresença (em todo lugar num dado instante) e da eternidade (em todo o tempo num dado lugar) ocorrendo simultaneamente (em todo lugar durante todo o tempo) não encontram paralelo no mundo físico.
Escavando a realidade que vivo posso encontrar vestígios sobre a existência de Deus? Niede Guidon em São Raimundo Nonato, no Piauí, pesquisa as evidências da presença humana e quer estabelecer um novo paradigma de ocupação das Américas. Esta questão mais simples, por ser estritamente científica, apresenta suas dificuldades próprias relativas aos componentes espaciais (o solo da região é impróprio para conservação de ossos) e temporais (os eventos datados até o momento aconteceram 50.000 anos atrás).
A influência do espaço e tempo nas nossas construções mentais e matemáticas tem sido decisiva na apreciação dos fenômenos. Ao observar o fluxo do rio Parnaíba (rio que separa o Piauí do Maranhão), em seu escoamento laminar, parece que estamos diante de um estado estacionário. A visão mais atenta dos redemoinhos, de algum material transportado em sua superfície reintroduz a variável tempo em nossa análise. Heráclito de Efeso já afirmava «ninguém banha duas vezes no mesmo rio» onde está clara a temporalidade de um mundo em eterno devir. Por outro lado, a cozinheira ao acender o fogo em sua lida diária vê o fogo sempre igual (estado estacionário ou permanente) e, somente na sua interferência (aumentar, baixar, desligar) ou quando está próximo de acabar o gás do botijão, o padrão observado é diferente.
Este exercício mental de esquecer o tempo em situações de escoamento contínuo e regular (estado estacionário ou fluxo laminar) transmite uma pálida idéia do que seja viver em um mundo sem tempo. Este mundo artificial é também usado pelos cientistas para separar as coordenadas espaciais das coordenadas temporais. A matemática fornece através, por exemplo, do método dos produtos, um modo de separar espaço/tempo: f(x,y,z,t) = g(x,y,z) · h(t). No exemplo citado, a função espaço-temporal f foi reescrita como o produto de uma função apenas espacial g e outra apenas temporal h. Em princípio, quando esta separação é possível, significa que a descrição espaço-temporal do mundo pode ser substituída pelo produto de uma descrição apenas espacial e uma descrição apenas temporal.
Na descrição espacial (estado estacionário), o tempo não existe ou não é considerado a isto denominamos eternidade (esta eternidade é circunstancial pois está confinada no tempo).
Um modelo mecânico-quântico simples de caracterizar o estado estacionário é o modelo atômico de Bohr, onde os elétrons ficam girando «eternamente» em torno do núcleo do átomo. Como isto não explica completamente a realidade experimental conhecida, admite-se a existência de singularidades quando, num lapso de tempo curto aberto sobre a «eternidade», ocorre uma mudança ocasionada pela absorção/emissão de energia. Esta transição assinala a introdução do tempo na eternidade durante a ocorrência do fenômeno. O estudo destas transições é parte da espectroscopia.
Quem navega na Internet fica diante de um mundo virtual onde passa o tempo enquanto o internauta não sai do lugar (mesmas coordenadas espaciais). De qualquer parte do mundo é possível acessar a mesma página (as coordenadas espaciais são irrelevantes!). Na televisão e no cinema, as imagens estáticas (coordenadas espaciais relativas constantes) são «giradas» transmitindo a ilusão de movimento. Parmênides ao dizer «o ser é e o não-ser não é» via talvez o mundo real como uma tela de tevê e o qualificava como aparência ou erro. Na descrição apenas temporal, o espaço não existe ou não é considerado. Como denominaremos isto? Onipresença do fenômeno?
A onipresença ou eternidade dos fenômenos fornecem uma ferramenta útil para simplificar e explicar, portanto modelar, a realidade do mundo físico, mas são insuficientes para afirmar estes atributos divinos dentro das categorias de entendimento do mundo físico.
4. Considerações sobre os elementos constitutivos do mundo
A pergunta «de que é feito o mundo?» encontra respostas tão insatisfatórias no passado quanto no presente apesar dos avanços da química, física e biologia. A criação do mundo a partir do nada é portanto tão plausível quanto um big-bang.
A busca dos elementos mais simples constitutivos das realidades captadas pelo homem está presente desde os primórdios da Filosofia, quando o mundo, segundo a visão grega era regido por algum princípio (arché), identificado diferentemente por vários filósofos. A consolidação destas idéias numa síntese explicativa do mundo como constituído por quatro elementos corresponde, aos dias de hoje, ao papel desempenhado pela tabela periódica, que compila, de modo organizado, todos os elementos químicos presentes na matéria conhecida.
Apresentando a situação acima como supra-sumo da ciência que responde uma indagação filosófica, temos que admitir que falsificamos a pergunta primeira da Filosofia e superestimamos a resposta da Química a esta questão. Inicialmente mostraremos a adequação, tanto da doutrina dos quatro elementos quanto dos atuais elementos químicos para explicar o mundo e a seguir divagaremos sobre a reproposição da pergunta primeira da filosofia.
Os quatro elementos terra, água, ar e fogo descrevem, do ponto de vista físico, os três principais estados da matéria (sólido, líquido e gasoso) e um processo (fogo) do qual emana luz e calor.
Modernamente sabemos da interconversão destes estados físicos mediado por trocas térmicas, portanto, do ponto de vista «científico», a doutrina dos quatro elementos apresenta um modo de avaliar o mundo material. Porém, o seu potencial não se esgota aí, pois cada um destes elementos exerce um papel vital no modo de vida: na terra (no solo) acontece a germinação das sementes e a planta precisa também de água e luz para crescer. O ser humano não pode viver sem água e ar. O fogo, fornecendo luz e calor ao homem, é fundamental, para toda transformação «tecnológica» da humanidade.
Resumindo, a doutrina dos quatro elementos explicava do ponto de vista material os fenômenos conhecidos mas perdeu a capacidade de responder a pergunta primeira. Enquanto a pergunta «quem fez o mundo?» tem caráter teológico e metafísico que queremos inicialmente evitar, a pergunta «de que é feito o mundo?» apresenta duas vertentes bem delineadas. A primeira conduzindo a metafísica e a segunda conduzindo a ciência e de modo particular a química, a física e a biologia.
Comentaremos a resposta da ciência inicialmente dizendo que toda matéria conhecida é constituída de prótons, nêutrons e elétrons e a entidade fundamental da matéria é chamada de átomo. Caso algum físico de partículas tenha chegado a este ponto da leitura é o momento de espumar pelos cantos da boca diante de tantas asneiras, pois existem partículas sub-atômicas mais fundamentais e também porque não mencionei os fótons que apresentam massa em movimento.
Como os químicos e os biólogos ainda seguem o raciocínio, acrescento que a diversidade dos tipos átomos no mundo é devida ao número de prótons existentes no núcleo do átomo. Neste ponto, os filósofos respiram aliviados pois isto, dito assim, tem alguma semelhança com o átomo de Demócrito que explicava a multiplicidade do mundo pela diferença de tamanho e forma dos átomos. Não vou atrás da raiz da palavra átomo, pois depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki o mundo todo sabe que ele pode ser dividido.
Não só a diferença entre estas unidades básicas que compõem o mundo foram identificadas e estudadas, mas também foram compiladas dentro do arcabouço da mecânica quântica no que chamamos de tabela periódica dos elementos químicos. Atualmente são conhecidos, um pouco mais de cem tipos de átomos diferentes que são os elementos químicos.
Podemos agora dizer que temos uma explicação melhor e mais plausível de mundo com os elementos químicos conhecidos que o conhecimento de mundo de Empédocles sobre ao quatro elementos? Honestamente temos que reconhecer que, como tudo em ciência, ganhamos em precisão e perdemos em simplicidade.
Embora a descrição do mundo baseado em elementos químicos agrade mais da metade dos químicos (aqueles que acreditam que as moléculas são feitas de átomos), ela é certamente insatisfatória para as descrições biológicas que trabalham com unidades bem maiores que os químicos classificariam como moléculas complexas como o DNA, lipídios, proteínas, etc., e olhando nelas a função exercida. Mesmo na química supra-molecular, as idéias de função e organismo são estranhos à química. Portanto, o mundo, como captado pelos biólogos não enxergam nos átomos os elementos últimos constitutivos da matéria viva. Para o físico de partículas, a realidade última da matéria esconde-se atrás de teorias cada vez mais complexas e menos elucidativas do mundo real. A busca de partículas mais elementares, que possam explicar toda a composição da matéria conhecida, parece levar a paradoxos, seja por elas não poderem ser conhecidas isoladamente, mas apenas postuladas como na teoria dos quarks (e isto lembra mais as divagações da metafísica!) seja por que as postulações últimas como campos de força ou energia colocam na base da matéria coisas «imateriais» (e isto lembra mais Leibniz com suas mônadas).
A criação do mundo a partir do nada ou como emanação simultânea de matéria e anti-matéria é tão insuficiente quanto as teorias de explosão inicial, que precisam de uma quantidade inicial de matéria para explicar o nascimento do mundo. Não sabemos ainda o que constitui a matéria ou o que dela é capaz de evoluir para constituir o mundo que conhecemos. Que fazer? Avançar na ciência, revalorizar a metafísica ou reavaliar as respostas teológicas? Chegamos ao ponto de admitir que devemos fazer um pouco de tudo isto na nossa busca de respostas a esta pergunta.
5. Considerações sobre a complexidade
A complexidade do mundo físico contrasta com a idéia de simplicidade atribuída a Deus e imaginada por quem está afastado das ciências.
A visão do mundo físico descrito por leis simples como as mostradas no ensino médio e, as vezes, nos cursos de graduação não se coaduna com o mundo físico real. As primeiras aproximações ou «leis» tem uma função histórica importante, mas estão longe de modelar o mundo físico conhecido. As «leis» simples são «confirmadas» apenas em experimentos muito grosseiros ou dentro de limites muito restritos ou sob condições irreais. Basta recordar os problemas de física que desprezam a resistência do ar; desprezam a extensão e massa de um fio; consideram uma fonte de luz pontual, etc. Para sermos mais específicos vamos acompanhar a aparente simplicidade de alguns sistemas ou teorias.
O comportamento do estado gasoso
O estudo do comportamento dos gases procurou uma relação simples entre volume (V), temperatura (T) e pressão (P), partindo de resultados experimentais onde uma dessas variáveis foi mantida constante.
O resumo das contribuições de Boyle, Charles e Gay-Lussac é dado pela equação que compara a mesma massa de gás em dois estados diferentes: P1V1 / T1 = P2V2 / T2. Apesar da elegância, simplicidade e acerto qualitativo, esta equação falhou nos aspectos quantitativos. Por isso, os gases que obedecem essa equação são chamados ideais, por não existirem ou por satisfazerem esta equação em condições restritas. A equação de Clapeyron, originada da equação acima para um mol de gás nas condições normais de temperatura e pressão (273 K, 1 atm), PV = nRT deu origem a equação de van der Waals: (P − a / V2) (V − b) = nRT. Da equação de Clapeyron para a de van der Waals ganhou-se em precisão e perdeu em simplicidade. Desde então temos uma infinidade de equações de complexidade crescente, mas que não conseguem modelar o estado gasoso. Por isso, a tendência pragmática é abandonar uma modelação do estado gasoso e desenvolver equações mais precisas para os gases de interesse. Apesar disto, o modelo mais simples mantém o charme de indicar as relações qualitativas entre volume, temperatura e pressão e pode, sob condições restritas, sem aplicado com precisão como, por exemplo, no caso do picnômetro de hélio que mede a densidade de sólidos. Do que foi discutido acima, a passagem de um modelo simples para modelos mais complexos aumentou a precisão e reduziu a abrangência.
A velocidade das reações químicas
O modelo mais simples proposto para determinar a velocidade de uma reação química foi o modelo da ação das massas onde a velocidade era proporcional a concentração dos reagentes elevado aos coeficientes estequiométricos da equação química correspondente. Uma teoria mais completa e fundamentada na teoria cinética dos gases para explicar a velocidade de uma reação química foi a Teoria das Colisões.
A simplicidade da Teoria das Colisões, traduzida na equação exponencial de Arrhenius, traz os aspectos qualitativos importantes que determinam a velocidade de uma reação química global como o efeito da temperatura e concentração de reagentes. A imprecisão desta teoria no aspecto quantitativo, principalmente em reações que exigiam orientação adequada para choques, levou ao aparecimento da teoria do estado de transição que trouxe uma melhoria qualitativa e quantitativa no modelo para a cinética de uma reação química. Porém, a inadequação deste modelo para explicar algumas situações particulares levaram ao aparecimento de várias alternativas pontuais como os mecanismos de Lindemann e de Hinshelwood e o modelo de Slater, com isso abortou-se a tentativa de um modelo teórico para as reações químicas globais e apareceram modelos teóricos mais rigorosos para reações elementares (etapas das reações globais) como, por exemplo, a teoria RRKM. Estas teorias com fundamentação teórica e experimental consistente melhoraram a precisão e cresceram em complexidade e reduziram sua abrangência.
Aspectos termodinâmicos das reações químicas
A simplicidade da equação ΔG = ΔH − TΔS que relaciona energia livre, entalpia, temperatura e entropia é devida a uma restrição imposta nas condições da reação, ou seja, isto é válido no estado de equilíbrio (processo reversível). Portanto, em nada parecido com o nosso mundo real, onde estamos cercados de processos irreversíveis. Sobre condições ainda idealizadas (relações de Onsager) podemos desenvolver uma termodinâmica próxima do equilíbrio. A termodinâmica longe do equilíbrio ainda está envolta num cipoal matemático estéril que só permite tirar apenas resultados qualitativos seguros. Por envolver equações diferenciais não-lineares, os sistemas estão sujeitos a bifurcação e caos que podem ser observados também experimentalmente.
A simplicidade traduzida por meio de modelo matemáticos simples correspondem apenas a primeira aproximação rumo ao conhecimento de uma área. A tendência observada nos modelos é o aumento de complexidade, melhoria da descrição qualitativa e quantitativa e redução na abrangência. Resumindo, se o enfoque científico atual não estiver errado, o mundo físico é muito mais complexo do que atualmente conhecemos apesar da simplicidade com a qual o sonhamos. Ou estamos com a chave errada e o mundo físico é simples e não o percebemos assim ou estamos corretos e este mundo complexo ficará cada dia mais complexo ao nosso entendimento e nele não enxergaremos o atributo da simplicidade de Deus.
6. Considerações sobre o infinito
A realidade física é finita. A abstração de infinito da matemática não traduz um infinito absoluto. O atributo de infinitude de Deus não encontra semelhança no mundo físico.
A realidade física não é apenas finita, mas também, descontinua. A continuidade e o infinito são recursos matemáticos. Por exemplo, uma escada torna-se uma rampa quando os degraus forem infinitamente pequenos. Se desejássemos saber a área abaixo dos degraus de uma escada teríamos que fazer um somatório. A = ∑i=1 hi Δx onde hi é a altura do i-ésimo degrau e Δx o tamanho de cada degrau (passo). A rampa pode ser obtida como um caso limite deste somatório. Quando Δx tende a zero podemos substituí-lo pela notação integral e a área passa a ser representada por ∫f(x)·dx onde f(x) correspondem aos valores de h para cada valor de x.
O infinitamente grande da matemática também não conduz a um infinito absoluto. Basta analisar que um polinômio ou uma função exponencial vão a infinito quando o valor de x tende a infinito, porém, quando temos uma razão entre estas funções, o limite quando x tende a infinito é zero, pois a função exponencial corre mais rápido para o infinito matemático. Por exemplo: limx->∞ (x2 + 5x + 6) / ex = 0. Este resultado pode ser obtido aplicando o teorema de L’Hôpital.
Portanto, se o infinitamente pequeno é um recurso matemático que transforma o discreto em contínuo e o infinitamente grande pode ser comparado, a idéia de infinito da matemática de modo algum se coaduna com a infinitude de Deus. As idéias de grandes números presentes na nossa linguagem, por exemplo, «incontáveis como os grãos de areia» traduzem apenas a nossa incapacidade de realizar esta operação e não a idéia do infinito absoluto.
7. Considerações sobre ordem
A ordem atribuída ao Ser divino não é encontrada em toda a sua obra: o homem e o mundo. Os diversos determinismos são insuficientes para explicar a realidade do mundo físico e a própria natureza humana. Os sistemas probabilísticos e, mais recentemente, os sistemas caóticos também modelam a realidade.
A idéia de ordem, de organização, de simetria, de regularidade parece ser inerente ao homem, pois tem ao longo da história, influenciado sob diversos aspectos, várias doutrinas filosóficas e teorias científicas. Esta idéia reforça outra: a perfeição divina está impressa em sua obra: o homem e o mundo. Isto leva a uma visão preconceituosa na modelagem da realidade física circunscrevendo-a a determinismos em todos os campos do conhecimento. Os diversos determinismos são insuficientes para explicar a realidade do mundo físico e a própria natureza humana. A mecânica quântica, com sua descrição probabilística, desconcertou até Einstein («Deus não joga dados»). Cada campo do conhecimento tem vários exemplos desta insuficiência onde a descrição mais apropriada é a descrição probabilística. Também, alguns sistemas complexos não lineares, mostraram comportamento mais adequadamente modelados por ferramentas matemáticas oriundas da Teoria da «Catástrofe» ou «Caos». Portanto, os determinismos, com sua ordem intrínseca são incompletos na descrição da realidade e, em alguns campos servem apenas como uma primeira aproximação de uma modelagem mais sofisticada da realidade. comporta ordem e caos. A realidade representada pela ciência comporta tanto a ordem, quanto o caos. Na natureza encontramos, tanto o caos a partir da ordem, quanto a ordem a partir do caos.
8. Considerações sobre o Ser
Deus é ato puro, é o ser por excelência. No mundo e no homem não se capta a essência, apenas a realidade contingente. Do contingente é possível fazer generalizações, mas não encontrar a essência das coisas e do homem.
«O ser é, o não-ser não é». Assim Parmênides, o pai da metafísica, captou a invariância, numa determinada escala temporal, de fenômenos que compõe nosso mundo físico. Heráclito capta uma mensagem diferente dos mesmos fenômenos, pois observa em outra escala temporal. Para ele, tudo muda.
Durante toda a história da filosofia até onde alcançou a influência aristotélica concebeu-se a realidade física como um misto de essência (substância) e acidentes (qualidades). Esta visão transferiu-se também para a ciência. Na química temos o termo substância que traz forte conotação de uma filosofia essencialista. Nesta visão, o ser por excelência é Deus.
Algumas correntes filosóficas contemporâneas, quando reconhecem uma essência, negam sua precedência. A influência destas filosofias tornou o estudo da antropologia filosófica inútil, pois, no homem, não há uma essência dada, ou seja, tudo está em construção. Fora do debate filosófico e não tendo como contribuir neste assunto, a ciência, pelo menos aquela inspirada pelo Círculo de Viena, descarta qualquer possibilidade de tratar assuntos metafísicos.
Independente desta visão cientificista e anti-metafísica, se o ser é invariante ele não pode ser investigado cientificamente, pois a ciência capta processos e os descreve com suas teorias. Numa caricatura, podemos dizer que a química é a descrição das transformações da matéria e a física a descrição das mudanças de estado, destas contingências (transformações e mudanças), a ciência tira as suas leis através de generalizações. A realidade divina não pode ser captada pela ciência, se o fosse, sua manifestação seria de alguma contingência e não de sua essência. Portanto, se Deus existe sua essência não pode ser captada pela ciência. O mesmo argumento pode ser tomado de outro modo, Deus, na sua essência, não pode ser negado pela ciência.
9. Considerações sobre a Beleza
O sentido estético tem um componente histórico e cultural. Na invariância de Deus, não há possibilidade de comparação com o belo do mundo.
A beleza e bondade parecem interligadas pois servem para exemplificar a perfeição divina. É também comum encontrar no nosso dia a dia esta associação mental sem respaldo na realidade. Ou seja, se existe o bom e o belo, não há uma relação necessária entre eles. O sentido de belo como captada pelos homens e, de modo particular, pelos artistas é um sentimento, uma intuição, uma expressão de totalidade que, fincando raízes em seu tempo, pode até ultrapassá-lo transmitindo a visão de mundo do artista e de sua geração. Toda obra de arte é um testemunho vivo de um modo de sentir de determinada época. Quando o salmista olha o céu e vê a beleza do firmamento, ele expressa a partir de sua visão de mundo — própria de sua época — que os céus narram a glória de Deus. Se Deus é beleza, este atributo não pode ser aprisionada no mesmo conceito usada para expressar um produto cultural de determinada época. Basta lembra como as músicas românticas que evocavam a lua dos namorados desapareceram desde que o primeiro homem pisou na lua. A arte, pelo qual expressamos a beleza, varia com o tempo e com o espaço. O conceito de belo de hoje difere do passado e com certeza não será o mesmo do futuro. Portanto, também este atributo de Deus não pode encontrar correspondência com o que chamamos de belo. Mas podemos negar a Beleza de um ser Eterno e, portanto, a-histórico?
10. Considerações sobre a Bondade
A bondade humana não encontra relação com a bondade divina. No homem, lampejos de bondade misturam-se com um turbilhão de ações e sentimentos que não permitem sua individualização. As regras próprias que governam a natureza aparecem ao homem como violência, erro, sofrimento, restrição e morte. Portanto, a bondade divina não encontra eco sensível no homem e no mundo físico.
A bondade de Deus não é encontrada nem no homem nem na natureza. O homem pode atingir um destaque em dedicação ao seu semelhante e convivência harmoniosa com a natureza mas não consegue manter-se assim sem grande esforço e sem evitar todos os cálculos egoístas de cada ação que poluem a mente do homem. Além disso, ao lado do santo, do herói, do líder que conduz os outros homens por caminhos melhores, encontramos algumas bestialidades do comportamento humano que estão tão longe de refletir a Bondade divina que sequer podemos abstraí-lo de um simples ato. As pesquisas antropológicas não apoiam a tese do bom selvagem. A própria narração bíblica fala do crime de Caim contra Abel. Portanto, a bondade humana não pode servir como comparação para o atributo da Bondade de Deus.
No mundo físico encontramos tanto sofrimento, dor e morte na briga do predador com sua presa que temos a tentação de usar um algum conceito moral para avaliar o que acontece na natureza. A raposa caça e mata a galinha. O gato mata e brinca com o rato morto. Quem convive com animais domésticos sofre com eles o mesmo padecimento do ser humano da doença e da morte. A sabedoria e harmonia da natureza é uma visão simpática mas irrealista do mundo físico. Sobre o que acontece na natureza não podemos classificar como bom ou mau, mas seguramente não espelham a Bondade de Deus.
11. Considerações sobre a Perfeição
A perfeição divina não pode ser utopia humana. A perfeição humana pode ser atingida pela razão através da avaliação das carências. O homem é imperfeito e pode, em princípio, ser perfeito como homem. A experiência mostra que este alvo pode ser atingido em alguns aspectos. Mas não pode ser atingida por todos os homens e nem em todos os aspectos da vida humana.
Embora a conclamação à perfeição, seja parte da ascese de vários sistemas religiosas, a condição humana limita esta possibilidade. Por isso, algumas crenças admitem que a perfeição só pode ser atingida em mais de uma vida. No cristianismo (catolicismo), o homem também é chamado a ser perfeito pela imitação da perfeição divina: «sede perfeitos como vosso pai celeste é perfeito». Porém, os textos bíblicos esclarecem a impotência do homem de atingir este estado sem a ajuda do próprio Deus. Isto se revela pela graça e pela misericórdia de Deus.
Sem conhecer a perfeição divina e sem experimentar a perfeição humana, como pode o homem saber o que é perfeito? Conhecendo as próprias carências: a condição humana em sua limitação mostra um ideal de perfeição para todo homem nos diversos aspectos para os quais os homens dirigem seu olhar.
A experiência de plenitude sobre algum aspecto da atividade humana pode ser experienciada tanto por alguns grandes gênios quanto por um desconhecido matuto. A perfeição na arte, na política, no esporte é identificável em cada época, nem em todos os homens e nem todos os aspectos da vida humana. O amor a humanidade, como o encontrado em Francisco de Assis, não foi acompanhado de talentos musicais ou políticos. A arte de Leonardo da Vinci não foi acompanhada de igual santidade. Portanto, a Perfeição divina não pode ser utopia humana e, assim, sequer pode ser encontrada entre os homens.
A perfeição humana, em alguns aspectos, mostra como o homem pode especializar-se para atingir seus ideais. Porém, não mostra este atributo divino.
12. Considerações sobre o Amor
Deus é amor. A essência do Deus cristão é o amor. Esta é a revelação trazida por Jesus Cristo. Porém, nascimento, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo não podem ser confirmados pela ciência. A ressurreição é um ato de fé!
O amor é a base da saúde psíquica do homem, pois o máximo da liberdade é atingido pelo despojamento de si para acolher o outro e o transcendente. Isto foi captado na singular experiência de Deus de Santo Agostinho: Ama e faz o que quiseres.
O amor é um atributo que confunde-se com a própria essência divina. O Deus-amor, que sintetiza dois mil anos de cultura cristã, não é fruto de reflexão e sim de revelação. Somente conhecendo a essência de Deus, compreende-se a outra singularidade de Deus que faz brecha no tempo para entrar na história humana. A fantástica história de Jesus só pode ser entendida com uma pedagogia divina de auto-revelação. O nascimento, vida (ação e mensagem), morte e ressurreição de Jesus ultrapassam em muito as possibilidades de reconstrução histórica. Este judeu que viveu há 2 mil anos atrás dividiu a história e marcou as culturas que o conheceram.
Uma visão estritamente científica jamais poderá captar aquilo que João sintetiza ao dizer que o discípulo viu e entendeu a ressurreição de Jesus. A ressurreição, de fato, não pode ser explicada nem pela ciência, nem pela filosofia e nem mesmo pela teologia. Ela pode apenas ser compreendida num contexto de fé. Por isso, sem a fé na ressurreição não existe cristão. Isto é, fruto da fé, jamais da ciência, da filosofia ou da teologia.
13. Conclusão
A plenitude dos atributos divinos e a própria existência de Deus não podem ser encontrados na normalidade da vida humana. Deus é uma singularidade: singularidade pela criação do mundo, singularidade por sua manifestação histórica no mundo e singularidade para cada homem que vem a este mundo.
Tomando a tese de Deus criador do mundo a partir do nada, através de um evento singular, não encontramos impossibilidade lógica nem implausibilidade do ponto de vista científico. As singularidades matemáticas podem ser contornadas e deixam de causar problemas; as singularidades astrofísicas em sua inexorabilidade não nos assustam. Sabe-se, por exemplo, que o Sol um dia morrerá por resfriamento e deixará de existir vida na Terra. Por isso, também o homem acostumou-se a viver com «sua» singularidade: Deus.
Muito além da Ciência e mesmo da Filosofia, o homem pode captar uma realidade que desconhece. Neste ponto podemos compreender, como a existência de Deus foi captado na sua obra: o homem e o mundo. As provas da existência de Deus não tem consistência empírico-racional, mas retratam o desejo de transmitir uma experiência singular do homem-criatura vislumbrando o Ser-Deus. Quantos povos não captaram essa ação divina e buscaram transmiti-la em suas culturas!
Às vezes os instrumentos foram débeis e incitaram apenas a razão (provas filosóficas). Outras vezes, a experiência singular de Deus modificou o homem, que tornou-se agente de outras mudanças em sua comunidade (testemunho). Raríssimas vezes esta singular experiência de Deus ultrapassou os limites de espaço e tempo em que se circunscreveram. Este é o caso dos fundadores de movimentos religiosos que ainda hoje vivem do carisma de seu criador.
Os atributos divinos misturados com a cultura podem refletir apenas o desejo do homem sobre os demais. As religiões existem para orientar e compreender a ação de Deus no mundo. Ao pesquisar a presença dos atributos divinos no mundo nos confrontamos com: 1) nenhum atributo foi detectado com a ciência que temos; 2) a ciência que temos ainda tateia na descrição do mundo físico e, portanto, é inábil para detectar atributos imponderáveis como são os atributos divinos.
Deus não é um objeto de pesquisa legítimo da ciência, pois esta não busca a verdade e sim uma interpretação da realidade física. Mesmo que Deus fosse um objeto da ciência, esta esbarraria em outro problema: a singularidade do fenômeno. A ciência tem dificuldades de tratar eventos únicos. Deus é singular no mundo e singular para o homem que está no mundo. Deus é incomensurável para a ciência (enquanto objeto), mas não para o cientista (enquanto sujeito).
Portanto, Deus como hipótese nula é o absurdo do crente e a certeza do ateu.