Crise econômica e pastoral: desafios

A crise econômica que está assolando o Ocidente à mais de cinco anos, não apenas questiona o modelo neoliberal, apontado como o principal responsável da grande crise, mas também a cultura Ocidental que produziu este sistema. Dias a pós dias os escândalos que aparecem envolvendo todos os setores da sociedade manifestam os limites de um sistema econômico que não conseguiu produzir igualdade e bem estar para todos, mas pelo contrario, profundas injustiças. O dato que chama atenção sobre a situação lastimável gerada por esta crise econômica é o crescimento da pobreza que está afetando milhões de pessoas dos assim chamados Países ricos, Países do primeiro mundo. Esta situação questiona o modelo econômico assimilado pelo Ocidente a partir dos anos Oitenta do século passado, ou seja, o modelo Neoliberal. A queda do modelo econômico socialista causado pela queda do comunismo soviético no final do anos Oitenta, manifestou ainda com mais evidencia todas as falhas de um modelo único econômico.

Não é um caso que economistas falaram de «globalização da pobreza»1 estigmatizando as falhas de um sistema que, longe de atender às promessas tão badaladas, está sempre mais afundando o Ocidente numa crise que parece sem saída. Crise que provoca também toda uma serie de questionamentos ao cristianismo, que de certa maneira pode ser considerado a religião do Ocidente. Como foi possível que o cristianismo não conseguiu elaborar um modelo econômico especifico, ou seja, de claro cunho evangélico? Além do mais é possível perguntar se a vida corriqueira de uma comunidade religiosa, seja ela qual for, pode elaborar propostas pastorais para enfrentar os problemas econômicos da atualidade? Sabemos que o Magistério da Igreja Católica e cheio de pronunciamento oficiais2 para alertar sobre os limites e os perigos intrínsecos ao sistema capitalista de cunho neoliberal. Talvez, porém, denunciar apenas não basta, pois é necessário mais de que nunca apontar alternativas viáveis, que se ofereçam como proposta alternativa ao Neoliberalismo.

O problema do relacionamento entre Neoliberalismo e pastoral põe em xeque o problema do relacionamento entre fé e vida, liturgia e ação pastoral da Igreja. Pela sua essência o cristianismo deveria ser como o fermento na massa que transforma toda a realidade. Em outras palavras, a vida iluminada pelo Evangelho e inspirada pelo Espírito Santo deveria ser algo de diferente daquilo que o mundo oferece. A sociedade neoliberal de certa forma questiona por dentro o sentido da presença do cristianismo na historia, a sua mesma verdade de ser uma força criativa de transformação do mundo. A proposta do Neoliberalismo é antitética á proposta do Evangelho e, por isso mesmo, provoca toda hora a comunidade cristã para que apresente algo de diferente, alternativo. O problema nessa altura é esse: porque, apesar de tanto tempo e, sobretudo, apesar de uma riqueza espiritual tão grande, o cristianismo não consegue esboçar um projeto econômico alternativo ao Neoliberalismo? Depois de indicarmos algumas informações gerais sobre o Neoliberalismo, tentaremos abordar o especifico do cristianismo apontando formas implícitas e explicitas de critica ao modelo Neoliberal para no final apontarmos algumas linhas de perspectiva.

1. Algumas indicações sobre o Neoliberalismo

Do ponto de vista geral, assim como foi formulado na década de ‘Quarenta pelo economista americano Fergusson, o Neoliberalismo se apresenta como um modelo econômico contrario a intervenção do Estado sobre a economia e é contraria as políticas do Bem-estar-social. É contraria, também, aos sindicatos, ao salário mínimo, em fim a toda forma de distribuição da renda. O capital, no esquema do Neoliberalismo, deve ser investido para que possa produzir frutos. É o culto do dinheiro por si mesmo, que não olha na cara de ninguém. Num sistema neoliberal, quem é favorecido são as pessoas que têm dinheiro: os pobres que se virem. A lógica financeira visa fazer dinheiro sem passar pela esfera produtiva. Keynes3 duvidava seriamente da capacidade do livre mercado produzir resultados equilibrados e convergentes com aquilo que se poderia chamar de «ótimo social». Segundo Keynes, para salvar o capitalismo de si mesmo era preciso que o Estado, que em principio, pauta-se por outra lógica, uma lógica distinta da mera busca do lucro, estivesse permanentemente monitorando a máquina capitalista. Foi por essa razão que as teorias keinesianas foram adotas logo após a segunda guerra mundial para ajudar os paises envolvidos na guerra a saírem da destruição. O «Plano Marshal» elaborado pelos Estados Unidos com o objetivo de ajudar os paises ocidentais a levantarem-se da crise econômica do pós-guerra, foi sem duvida nenhuma um projeto econômico nesta linha keinesiana.

A grande crise econômica produzida pela crise do petróleo nos anos ’70 provocou come conseqüência imediata a desconfiança peãs teorias econômicas keinesianas e a necessidade de tentar um novo caminho. Foi assim que Margaret Thatcher, primeira ministra inglesa adotou, a partir dos anos Oitenta, o modelo econômico Neoliberal e, logo em seguida, os Estados Unidos do então presidente Ronald Reagan entraram na mesma linha. A ideia que começou a influenciar as economias ocidentais era aquela de abandonar definitivamente o interventismo do Estado, para entregar a economia à «mão invisível» que teria regulado os mercados na economia globalmente liberalizada. Na realidade como sustentou no 2007 o premio Nobel pela economia Eric Maskin, «as sociedades não podem contar com as forças do mercado para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de saúde de qualidade para todos os cidadãos… O mercado não funciona muito bem quando se trata de bem publico».4

Em pouco tempo o modelo econômico Neoliberal se tornou o modelo assumido pelas maiores economias do planeta. Sendo que este modelo é tudo encentrado no lucro do dinheiro, beneficiados deles são as pessoas da media e alta sociedade. Os pobres são os grandes excluídos do Neoliberalismo. Na realidade ao longo dos anos ’90 e no começo desta década assistimos a um progressivo distanciamento entre ricos e pobres, não apenas nos assim chamados paises do terceiro mundo, mas também nos países ricos. Segundo o economista Chossudovsky «o novo ordem mundial é sustentado pela pobreza humana e da destruição do ambiente. Tudo isso dá origem à uma apartheid social e promove o racismo e os conflitos étnicos» (Chossudovsky, 2012 p. 49).

O modelo Neoliberal é um sistema sem ética, que obedece somente aos critérios do dinheiro, confiando na «mão invisível» do mercado. E assim o grande sonho almejado nos anos ’60 de um mundo sem pobreza, na realidade acabou provocando mais pobreza e mais excluídos ainda. O Neoliberalismo, longe de ser a solução final dos problemas econômicos do planeta, vai para frente de crise em crise, precisando continuamente de socorro da parte dos grandes bancos e dos grandes financiadores. Hoje o mundo está envolvido numa das piores crises financeiras, para muitos até pior da famosa crise do ’29. Tudo isso é devido a falta de regras no sistema Neoliberal, da ausência do Estado e, por conseqüência, da ausência de normas morais que possam vigiar sobre as decisões nefastas dos especuladores do mercado. Sempre Chossudovsky considera que as medidas econômicas adotadas na Europa e no Norte América para desenvolver o modelo Neoliberal, são as grandes responsáveis do endividamento dos países latino-americanos, medidas que criaram nas últimas duas décadas uma dependência econômica habilmente explorada para esgotar as já fracas economias latino-americanas. O rico Ocidente é o verdadeiro responsável do empobrecimento de muitos países.

Além disso, seja Chossudovsky que Stiglitz denunciando a falta de transparência do FMI e do banco Mundial, sobretudo na maneira de administrar as intervenções humanitárias, colocaram varias vezes o dedo na praga de um fenômeno que dias após dias está aparecendo com força na economia mundial. «Os banqueiros de Wall Street e i lideres de muitas empresas estão por trás destas instituições globais». Se trata do fenômeno da economia criminal ativada por organizações criminosas que atuam no mundo todo, que estão investindo nos bens do Estado conseguindo alcançar os fundos que o FMI e do Banco Mundial liberam para os projetos assistencialistas ou para projetos mais estruturais.

Hoje sabemos que este projeto econômico neoliberal que influenciou a economia mundial das ultimas duas décadas não funciona mais. As continuas crises econômicas controladas pelos constantes investimentos maciços dos bancos centrais dos estados estão chegando ao ponto de sem retorno. Falou-se de crise de uma época, da necessidade de reescrever as regras da economia, mas até agora pouca coisa mudou. O mundo Ocidental está lutando ainda para não afundar economicamente e quem está sofrendo é, sobretudo o povo, que nestes anos de crise perdeu o trabalho ou a renda foi reduzida significativamente. Desde o 2006 o sociólogo estadunidense Wallerstein alertava: «Estamos entrando numa depressão mundial de grande peso e não uma simples recessão, com consequências imprevisíveis».5 Infelizmente, apesar de tantas advertências, os governantes do mundo preferem tomar medidas populares imediatas, que pensar um projeto mais amplo de Pais ou de mundo, que possa resolver o problema na raiz. Já no 2007 o economista e premio Nobel Stiglitz, que trabalhou no Banco Mundial como vice-presidente pelas politicas de desenvolvimento, botava o dedo contra os interesses pessoais de poucos ricaços, que não se importavam do desastre econômico que estava afetando e continua afetando sobretudo os pequenos investidores e os trabalhadores.6 Sempre nesta linha, o Nobel Muhammad Yunnus alertava: «Sem duvida quem sofrerá com esta crise não serão os banqueiros… Quem de verdade perderá com isso serão os mais pobres, e isso no mundo todo. Quem terá milhões continuará com alguns milhões. Quem como os pobres que tem apenas o dinheiro suficiente para pagar uma refeição cada dia, em pouco tempo perderão até isso».7

2. Neoliberalismo e proposta cristã: formas implícitas da critica ao Neoliberalismo

Se este é o Neoliberalismo podemos tranqüilamente afirmar que o Evangelho de Jesus é totalmente outra coisa. Isso é extremamente visível na vida corriqueira das comunidades. Nestes parágrafos não queremos apontar as linhas de uma economia inspirada no sentido cristão, mas sim aquilo que na vida cristã já tem como critica do sistema Neoliberal. Neste sentido, a Igreja simplesmente precisa de um lado, valorizar alguns elementos existentes da própria vivencia e, do outro, preparar o terreno da comunidade para que possa viver de forma livre o próprio estilo de vida. Podemos salientar um tipo de ação implícita que a Igreja realiza como elemento desmistificador do Neoliberalismo e uma ação explicita. Em primeiro lugar as ações implícitas. A primeira forma implícita que a Igreja tem como critica ao modelo econômico Neoliberal é a Eucaristia. «Este é o meu corpo que é dado por vós… Este é o meu sangue que é derramado por vós. Fazei isto em memória de mim» (Cf. Lc 22, 14ss).

Toda vez que a Igreja celebra a Eucaristia está afirmando a vitória do amor sobre o egoísmo, da partilha sobre uma vida centrada somente sobre os interesses pessoais. Pelo fato que o centro da vida da Igreja é a Eucaristia, por isso mesmo implicitamente está criticando a base do Neoliberalismo. Celebrando a Eucaristia a Igreja coloca no centro do mundo o amor total de Cristo que para salvar a humanidade se doou totalmente, julgando desta maneira negativamente toda expressão de vida egoística. Se, por assim dizer, o modelo Neoliberal produz um estilo de vida interesseiro, pelo contrario da Eucaristia brota uma maneira de viver gratuita e desinteressada. A diferença entre este dois estilos de vida é enorme. De fato, em quanto o modelo Neoliberal produz um mundo dividido pelo egoísmo, um mundo dividido entre pobres e ricos, um mundo feito de muitos excluídos e poucos ricos que comem a maioria do bolo a disposição, pelo contrario da Eucaristia brota uma vida de comunhão e de partilha. Podemos dizer com tranqüilidade que se o mundo ainda não acabou no mar de egoísmo produzido pelo modelo Neoliberal é por causa da força de Cristo presente na historia, que continuamente provoca as pessoas a se doarem, a vencer as divisões, a partilhar com os mais pobres e fracos.

Além disso, a Eucaristia é o principio que dá vida a Igreja, á comunidade. Não existe igreja sem a Eucaristia, pois é a Eucaristia que faz a Igreja. Se tudo isso é verdade a vivencia dos cristãos animada pela presença de Cristo neles provoca uma ação que tem a Caridade como centro da vida. É aquilo que lemos no relato das primeiras comunidades nos Atos dos Apóstolos. «Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e possuíam tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um» (At 2, 44-45).

Este texto famoso é a negação da ideologia Neoliberal. De fato, se o Neoliberalismo propõe a especulação do dinheiro, bem diferente é a proposta e a vivencia da primeira comunidade cristã. Outro dato interessante é que logo no começo a comunidade se interessava do jeito de utilizar o dinheiro, de como administrá-lo e de como devia-se administrar os bens. Isso quer dizer que a Economia é um problema serio que tem a ver com a Igreja, com aquilo que ela recebe e anuncia. Quem acolhe Cristo não pode viver de qualquer jeito, não apenas por si mesmo, mas também no mundo. Economia no mundo de hoje tem a ver com política, pois, tudo aquilo que se decide economicamente tem repercussões política. Um exemplo claro é aquilo que está acontecendo nestes últimos anos, na maior crise financeira desde o 1929. O Estado, com toda uma serie de medidas políticas, está intervindo pesadamente sobre a crise financeira que vários bancos dos Estados Unidos e da União Européia estão enfrentando. Não é qualquer política e qualquer economia que a comunidade cristã apóia. A situação de crise econômica come aquela que estamos passando, deveria provocar uma reflexão no interno dos conselhos pastorais paroquiais. Não se trata de mudar o sistema capitalista, mas sim de confiar na força do Evangelho e na força criativa do Espírito Santo que impulsiona a pensar formas novas de utilizo e investimento do dinheiro publico e privado. Pela verdade já há tempo existem algumas experiências nestes sentido, algumas delas nascidas no âmbito da experiência da Igreja. Trata-se, ao meu ver, de colocar a comunidade paroquial, principalmente nos seus órgãos administrativos, de pensar criticamente e criativamente sobre o utilizo do dinheiro. Talvez uma constante reflexão neste sentido á luz do Evangelho, poderia fornecer um instrumento critico como o fermento na massa.

A terceira forma implícita de critica ao modelo Neoliberal que a Igreja tem é o anuncio do Evangelho. Toda vez que a Igreja proclama o Evangelho e o comenta, é uma critica ao sistema Neoliberal. «Bem aventurados vocês os pobres porque vosso é o reino dos céus… Ai de vocês os ricos porque já tendes vossa consolação» (Lc 6, 20. 24).

Quando a Igreja proclama versículos como este critica implicitamente o sistema Neoliberal que se encontra exatamente ao oposto. O anuncio da Palavra é fundamental porque, como nos lembra são Paulo, alimenta a nossa fé. Esta fé não é para ser entendida somente do ponto de vista espiritual, mas como confiança no sucesso do Reino de Deus, do seu projeto de Justiça e de paz que passa através também da nossa adesão, do nosso compromisso. Por isso, é importante continuar anunciar e escutar a palavra de Deus, porque ela alimenta a nossa fé e derrete ao meso tempo as fantasias devocianais, fruto de tradições humanas que amiúde deturpam o sentido autentico do Evangelho. O anuncio do Evangelho, como sabemos, não é somente uma proclamação de letras e um pronunciamento de versículos, mas deve ser acompanhada pela vivencia do anunciador. No caso especifico do nosso tema, uma comunidade que prega o Evangelho, para que a Palavra possa penetrar nos corações das pessoas, deve poder enxergar nas atitudes dos pregadores e na vivencia da comunidade uma sintonia com aquilo que está sendo pregado. Por isso a Palavra de Deus inspira um tipo de economia baseada na partilha e na constante atenção aos mais pobres, duas atitudes claramente antitéticas ao modelo econômico Neoliberal.

3. Formas explicitas da critica ao Neoliberalismo. O papel das comunidades de base e das paroquias.

A verdade da vivencia cristã está nas ações que ela sabe inspirar. O especifico do cristianismo é o mistério da Encarnação, ou seja, do Logos que se faz evento, do Verbo que se faz carne, do Espírito que entra na historia. Por isso toda vida espiritual que não se encarna é considerada negativamente, um espiritualismo vazio, uma negação do mistério da encarnação. Neste sentido, uma comunidade que se inspira ao Evangelho deve concretizar formas que criticam explicitamente o Neoliberalismo. Como uma paróquia pode fazer isso? É uma pergunta forte que mexe com a maneira corriqueira de pensar a pastoral. A paróquia deve poder ser um sinal de contradição no mundo. A liturgia que a comunidade celebra, deveria poder expressar algo de diferente daquilo que o mundo propõe. Isso é tanto mais verdadeiro quando o mundo em questão é a forma econômica do Neoliberalismo.

Os princípios básicos da moral social cristã são os seguintes:

  1. Não acumular.
  2. Se tiver é para partilhar.

Junto a estes princípios básicos devem ser salientadas uma opção e uma mística. A opção é a opção preferencial pelos pobres, que norteia toda a vida pastoral de uma comunidade. A opção pelos pobres coloca ao centro da comunidade aquela categoria de pessoas produzidas e depois excluídas pelo sistema Neoliberal. Quando a Igreja vive esta opção de uma forma clara, critica em modo evidente o modelo econômico Neoliberal. O problema pela comunidade cristã mergulhada no mundo capitalista, que vive valores antitéticos a estes é como elaborar formas de vida alternativas a tirania do dinheiro.

Além disso, existe uma mística especificamente cristã que norteia a vivencia econômica. Esta mística brota da espiritualidade do escondimento, da imitação da vida despojada de Jesus, da mística da semente pequena semeada na terra, que não busca se amostrar, a mística do serviço ao irmão, do atendimento aos mais pobres. Esta mística é extremamente importante porque nos ajuda a distinguir os problemas e, ao mesmo tempo a decidir o tipo de ação. Existe toda uma lógica que nos impulsiona a ficar parados, de braços cruzados. Perante os problemas do mundo, á macroeconomia, o que podemos fazer nós? A mística da semente nos ensina que o mundo pode mudar se mudarmos antes de mais nada nós mesmos e, mudando nós mesmos, podemos ajudar a mudar o pedacinho de humanidade que vive perto de nós. É isso que o Concilio Vaticano II nos ensinou nas profundas palavras do documento Lúmen Gentium quando é indicado que os cristão leigos são chamados a transformar a sociedade por dentro e esta transformação só será possível se cada cristão se deixará transformar por dentro pela força do Espírito Santo, pela ação dos sacramentos e pela marco que a Palavra de Deus deixa nos nossos corações.8 Uma comunidade que cuida disso e que vive esta mística do escondimento e da partilha critica explicitamente o modelo Neoliberal.

As pessoas das cidades do interior Baiano vivem de uma maneira ou de outra, dentro do sistema capitalista mundial, se encaixam no quadro das classes criadas pelos efeitos do modelo Neoliberal. De fato, nestas cidades tem os pobres, que representam a maioria esmagadora do povo, a classe media formada pelo pessoal que trabalha nas prefeituras — professores, diretores, secretários, ou seja, todo um pessoal cujo bem-estar depende da presença do prefeito — e os ricos, poucos, cujo dinheiro depende de fortunas herdadas ou do fruto de investimentos nas grandes fazendas. É importante salientar que, em muitos casos, as comunidades de base são freqüentadas pela grande maioria de pessoas pobres. É raro ver um fazendeiro, ou uma pessoa de condições numa comunidade de base. Ao maximo se apresenta na festa do padroeiro da comunidade. O problema se apresenta nas paróquias da cidade, ou das grandes cidades, onde as classes sociais são presentes num conjunto. Neste caso, percebe-se que as rédeas da paróquia estão nas mãos dos ricos, do pessoal de condições. Num contexto como o do sertão Baiano aonde os padres não tem um salário decente e seguro, por causa de uma falta de acorde entre o Governo Brasileiro e a Igreja, o risco é que o padre, responsável da paróquia, encoste nos ricos, nos políticos, nos prefeitos com todas as conseqüências perniciosas que conhecemos. Nessa altura o problema é este: é possível apresentar uma proposta de vida alternativa, evangélica neste contexto?

Pelo modelo eclesial que nós temos, ou seja, ainda fortemente hierárquico e clerical, a proposta alternativa de uma comunidade depende muito daquilo que o padre vive. Formas concretas de economia alternativa á Neoliberal a encontramos, por exemplo, no Dizimo. O problema de um conselho pastoral é aprender a pensar evangelicamente como utilizar este dinheiro.

Outra proposta é a Cáritas, que elabora projetos que visam ajudar as classes mais pobres: é na linha da partilha. Uma atividade explicita da Comunidade criticar o sistema econômico Neoliberal é a elaboração de políticas publicas, é manter a paróquia atenta aos problemas políticos da cidade, defendendo os interesses dos mais pobres. É claro que para isso torna-se necessário um conselho pastoral que não fique atrelado o tempo todo aos políticos, aos ricos, mas que aceite de buscar formas evangélicas de sobrevivência, aceita em definitiva de ser sinal de contradição dentro do contexto no qual vive e é chamado a anunciar o Evangelho. Neste sentido, um trabalho pastoral que deve ser feito com urgência, consiste em criar as condições para poder vivenciar o Evangelho. Concretamente em algumas comunidades isso comporta a tomada de posição clara no confronto de políticos ou ricos que entraram no conselho pastoral para se beneficiar e condicionar a comunidade com a própria autoridade ou poder. O Conselho pastoral deve se colocar em dialogo com o mundo circunstante, um dialogo critico e construtivo ao mesmo tempo. Pessoalmente acho que este seja o passo fundamental para permitir ao povo de se sentir a vontade dentro a comunidade, e buscar formas econômicas alternativas daquelas propostas pelos políticos da cidade, que acompanham as propostas neoliberais do País. Limpar o campo do Conselho Pastoral Paroquial de presenças incomodas — políticos, corruptos, etc. — cujo objetivo é explorar a Igreja para se promover, é um passo decisivo para colocar a comunidade nas condições de poder elaborar projetos econômicos conforme aquilo que vive e sente.

Uma comunidade que, dialogando, pensa as formas econômicas e políticas mais coerentes com o Evangelho: é este o caminho que deve ser percorrido. Só que para isso acontecer precisa daquele espaço necessário, do qual falamos, espaço que em muitos contextos paroquiais deve ser conquistado. Devemos colaborar para realizar uma paróquia que se coloca a caminho com o povo e sabe ajudá-lo a encontrar respostas aos problemas da vida, que na maioria são de tipo econômico, á luz do Evangelho. Por isso, é importante ao mesmo tempo manter a paróquia em constante contato com a Palavra de Deus e, do outro lado, atenta aos problemas econômicos e políticos da cidade aonde e vive. Neste sentido as orientações da CNBB9 são bem claras e em linha coma aquilo que estamos dizendo.

A comunidade, através do Conselho pastoral, deve poder ajudar as pessoas a escolher estilos de vida conforme ao Evangelho, ou seja, estilos de vida inspirados á sobriedade, simplicidade, atenção ao ambiente. É um trabalho formativo constante que deveria ser introduzido a todos os níveis da pastoral: catequese, PJMP, Pastoral familiar. Sobretudo, porém, este esforço formativo sobre o estilo de vida, deveria ser constantemente pensado e elaborado no conselho pastoral da comunidade.

4. Conclusões

A luta contra o Neoliberalismo não deve ser levado em frente por um setor da pastoral, pois toda a comunidade no seu estilo de vida deve ser um questionamento ao Neoliberalismo. As formas desta critica não podem ser prefixadas, mas se encontram no Caminho, naquilo que o Espírito inspira ao povo em atenta escuta da Palavra. Todo cristão acredita que o mundo se transforma a partir da transformação da própria humanidade. Precisamos acreditar que um ouro mundo é possível e é possível a partir das nossas decisões corriqueiras. Não precisamos esperar que mude o mundo: precisamos fazer de tudo para que esta mudança aconteça em nós e perto de nós.


  1. Cfr. M. Chossudovsky, A globalização da pobreza. Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial, Moderna, São Paulo 2002. ↩︎

  2. Cfr., em modo especial: João Paulo II, Centesimus Annum, Ed. Vaticana, Roma1989. ↩︎

  3. John M. Keynes (1883-1946) foi um economista britânico que defendeu a politica intervencionista do estado. Cf. Tratado geral do emprego e do uso da moeda, Atlas, São Paulo 1992. ↩︎

  4. E. Maskin, Auctions and efficiency, Princeton, Institute for Advanced Study, 2001. ↩︎

  5. I. Wallerstein, European Universalism: The Rhetoric of Power. New York: New Press. ↩︎

  6. J. Stiglitz, Economia e informazione. Autobiografia, scritti e interviste, Datanews, 2006. ↩︎

  7. M. Yunnus, Un mondo senza povertá, Feltrinelli, Milano 2008. ↩︎

  8. Cfr. Lúmen Gentium 15-33. ↩︎

  9. Cfr. Diretrizes da Igreja no Brasil 2013. ↩︎