Vulnerabilidade dos idosos em tempos de pandemia: entre a infeciologia e a responsabilidade ética

1. Introduçâo

Envelhecer não é sinónimo de doença. Hoje vivemos muito mais tempo e com saúde do que outrora. A população, a nível mundial, está envelhecida e continua a envelhecer principalmente em países desenvolvidos. Este fenómeno, nas últimas décadas, para além de um decréscimo do número de nascimentos, deve-se sobretudo a um grande avanço quer tecnológico, quer das ciências médicas e farmacêuticas, quer ainda pela melhoria das condições de vida das comunidades, que dispõem de infraestruturas e de recursos financeiros, que proporcionam mais bem-estar do que no passado.

À medida que a pessoa envelhece, a perda de capacidades físicas e mentais é evidente para todos, ainda que nem todos envelheçam do mesmo modo e ao mesmo tempo, uma vez que todos envelhecemos de uma forma gradual e continua. As fragilidades, neste ou naquele órgão, vão aparecendo muito lentamente. Para isso contribuem, em grande medida, fatores como uma boa alimentação, higiene, exercício físico, para além de outros fatores, como: sociais, políticos e psicológicos, que concorrem para a promoção de um envelhecimento saudável, ou, pelo contrário, para um envelhecimento com maior fragilidade, se porventura, os hábitos e estilos de vida saudáveis não fazem parte da nossa vida quotidiana.

Neste pequeno texto, pretendemos dar a conhecer o sentido e evolução da vulnerabilidade em gerontologia, quer ao nível físico, social e psicológico, quer confrontada com a ameaça de uma doença pandémica.

Convém, pois, clarificar o que se entende por “vulnerabilidade”, uma vez que se trata de um conceito que revela um estado de fraqueza física ed/ou psicológica, podendo-se referir tanto ao comportamento das pessoas, quanto a objetos, situações, ideias, etc.

O vulnerável é atingido ou ferido no seu ser e no agir, segundo a parábola do Bom Samaritano e traduz o sentido etimológico da Bíblia Sacra de S. Jerónimo: vulnera (as feridas) (Lc. 10, 34).

Trata-se de um ser de um agir e de um fazer que, em sentido figurado, aparece como fragilidade de uma pessoa. Manifesta-se como a ferida do existir. Segundo a parábola do Desvalido no Caminho é um ex-sistere (estar a partir de qualquer coisa) lábil como se revela no “semi-morto”. A vulnerabilidade traz ontologicamente a marca da potencialidade do existir. Esta é in fieri como imperfeição do ser, do agir e do fazer, tal como surge na narrativa – conto do Bom Samaritano, a vulnerabilidade é um fieri das feridas do coração. Revela-se como cedência da espiritualidade do coração.

Esta reside na insuficiência ontológica, que traduz a quebra do ser, do estar, do agir e do fazer.

A Vulnerabilidade, naturalmente, refere a grande instabilidade, em que se estrutura o existir, que se implica na essência dos nossos comportamentos.

Segundo Levinas, antes da polaridade do Bem e do Mal, apresentada pela “eleição”, o sujeito encontra-se comprometido com o Bem na passividade.

Assim, a vulnerabilidade é uma forma de passividade e de proximidade do sujeito, como veremos ao longo deste estudo.

A vulnerabilidade está plenamente condicionada por esta passividade, que permanece no ser do seu sofrer. Poderemos dizer que esta experiência é necessária in passo, (no padecimento) tal como se descreve pelo acontecimento soteriológico da parábola do Homo Viator em Lucas.

A vulnerabilidade é uma forma de passividade. Esta antecede frequentemente as nossas acções e pode anteceder aquela. A vulnerabilidade é do domínio do patético e o patético da vulnerabilidade é um esse pré-filosófico, donde tudo parte, tal significa que ele é o solo da desproporção da vivência pela polaridade finito e infinito.

Como analisaremos, através do pensamento de Levinas, a parábola de Bom Samaritano é a narrativa da vulnerabilidade. Trata-se de uma metáfora vivente, que se centra no Desvalido no Caminho e que é o “rosto da vulnerabilidade “.

O “des-valere”, ausência de valor, de dignidade, de ser e de fazer, tem a sua metáfora no “semi-morto” que ía de Jericó a Jerusalém, onde no Gólgota realizará a passividade da passividade

O “Desvalido” no Caminho da parábola é além do Homo Viator, o homo pateticus, que carrega per se a vulnerabilidade pela cedência do ser Outro, como forma de passividade.

A fragilidade do Desvalido no Caminho é referida pelo versículo: Certo Homem (quidam homo) descia de Jerusalém para Jericó e caiu às mãos dos salteadores que depois de O despojarem e encherem de pancadas O abandonaram, deixando - O meio-morto. A vida da vulnerabilidade anárquica, é aquela que vem do Pai das Misericórdias vive-se na Paixão e Morte do “semi-morto”. A vulnerabilidade é a vida e o caminho da cruz.

Ao longo do nosso estudo, podemos ver que a vulnerabilidade tem um “rosto”. Este é sofredor e está aniquilado pela fragilidade da angústia existencial. Na vulnerabilidade, o coração está quebrantado pela dor e pelo sofrimento. Há uma cedência do coração, o Samaritano da parábola ao cuidar do Desvalido (metáfora da vulnerabilidade) será o pastor do vulnerável. É aquele que está ao seu serviço, que cuida d’Ele após ver e ouvir o apelo: Eis-me aqui… Na parábola da vulnerabilidade do Homo Viator, encontraremos pelo caminho do nosso existir, a passividade e a proximidade do vulnerável (nu, doente marginal, etc.).

A vulnerabilidade, como princípio, quando questionada no domínio da Bioética, alicerça-se heuristicamente na medida em que se procura e busca o conhecimento e impõe-se pelas seguintes razões: evocar duas categorias essenciais da condição humana (a finitude e a transcendência) e relaciona-se dialecticamente, sendo um meio de articulação, pelos princípios da Bioética, provocando uma reflexão sobre os dilemas suscitados pela tensão constante, no centro das relações profissionais, desde procedimentos terapêuticos até à recusa de tratamentos. Toda a vulnerabilidade é um cuidado plesiológico. E, naturalmente, segundo a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) diz uma relação xenoplesiológica. Quanto mais vulnerável for o ser humano, mais necessitado está do cuidado, como solicitude do “outro-estranho”, representado no Samaritano.

2. Vulnerabilidade física

O envelhecimento é um processo sem retrocesso, que afeta, de modo continuo e gradual, todos os órgãos e sistemas, verificando-se naturalmente um declínio em todas as funções. Como já foi dito, nem todos envelhecemos do mesmo modo, visto que este processo é mais rápido para uns e mais lento para outros. Há pessoas em que o peso dos anos parece não passar por elas, não deixando marcas visíveis. No entanto, ainda para outros, este processo evidencia marcas muito precocemente e a idade cronológica não corresponde ao aspeto físico (Pinto, 2001).

Enquanto envelhecemos vão ocorrendo modificações fisiológicas no nosso organismo, que têm efeito cumulativo e são irreversíveis. Os fatores externos como o estilo de vida, as atividades e o ambiente sóciocultural e os fatores internos como a carga genética, estado nutricional e o estado de saúde influenciam no envelhecimento de cada pessoa. Dito por outras palavras, todos estes fatores podem potenciar, ou não, a capacidade do indivíduo em adaptar-se às agressões externas e internas. A capacidade que cada um tem em adaptar-se a estes agentes de stresse, com vista a um bem-estar, é essencial para a saúde.

O envelhecimento orgânico não é homogéneo, certos tecidos estão em constante renovação e outros nunca se renovam (Berger, 1995). As causas para um envelhecimento diferencial são imensas e esta autora enumera quatro: causas genéticas, como a hereditariedade; mau uso de uma função ou aptidão, por exemplo, o envelhecimento muscular numa pessoa sedentária; fatores de risco que agravam a senescência como o tabagismo e os excessos alimentares e as doenças intercorrentes, que aceleram o envelhecimento sobretudo a partir do 60 anos de idade.

A senescência não é uma doença, mas pode levar a uma quantidade de afeções, porque se caracteriza pela redução da reserva fisiológica dos órgãos e sistemas. Mais tarde ou mais cedo, o equilíbrio homeostático desregula-se e surgem problemas patológicos. Quando um idoso tem uma doença crónica associado a esta, estão certamente outros problemas crónicos por trás.

Quando tal acontece, podemos dizer que a pessoa se torna mais vulnerável contra agressões ora internas ora externas. As fragilidades fisiológicas e orgânicas vão surgindo à medida que a idade avança para doença crónica, comum a muitos idosos, torna este grupo vulnerável. Isto também é explicado através do funcionamento do sistema imunológico.

A grande defesa do organismo contra agentes estranhos, bactérias, parasitas, vírus e fungos é o sistema imunitário. Este é constituído por uma complexa rede de células e moléculas dispersas por todo o organismo e caracteriza-se biologicamente pela capacidade de reconhecer determinadas estruturas moleculares, estranhas ao corpo ou antigénios e desenvolver uma resposta imunológica efetiva diante destes estímulos, provocando a sua destruição ou inativação, seja através de processos de fagocitose seja por respostas humorais (Martinez, A.; Alvarez-Mon, M., 1999). Portanto, representa um sistema eficaz de defesa contra microrganismos, que penetram no organismo ou vão contra a transformação maligna de células. Esta função de defesa é essencial contra o desenvolvimento de infeções e de tumores. Nos indivíduos mais jovens e nos idosos é observada uma maior suscetibilidade às infeções, uma vez que está relacionada com a capacidade imunológica limitada nessas faixas etárias (Martinez, A. et al., 1999).

O estado funcional do sistema imunológico é máximo ao nascimento, evoluindo durante um período mais ou menos longo de vida. Todavia, o envelhecimento provoca modificações estruturais e funcionais em diferentes sistemas celulares, incluindo o imunológico, ficando o indivíduo mais propenso a contrair infeções oportunistas.

3. Breve abordagem à COVID-19

O coranavírus, SARS cov-2, pertence a uma larga família de vírus, foi identificado em 1960, vive noutros animais (por exemplo, aves, morcegos, roedores e pequenos mamíferos), sendo transmitido ao homem causando infeções antropozoonóticas, que vão desde sintomatologia leve até à pneumonia intersticial bilateral, podendo levar à morte. A doença, causada pelo novo coronavírus, designada COVID-19, apareceu em finais de dezembro de 2019, na China, mais precisamente na cidade de Wuhan e os casos de contaminação estariam ligados a um mercado de alimentos e animais vivos. Sendo uma doença altamente contagiosa, foi fácil a sua propagação pelos habitantes de Wuhan, atingindo grandes massas populacionais, que se estenderam a outros países, continuando a sua disseminação. Foi declarada pandemia, sendo uma patologia infeciosa, que surge pelo menos em dois continentes, pela OMS, a 11 de março de 2020. Hoje, embora não hajam dados de todos os países do mundo, julga-se que a doença já tenha atingido todos os cantos da Terra.

Nenhum governo estava preparado para tal disseminação e para evitar a sua propagação cada país definiu estratégias, que passaram pela proibição e cancelamento de eventos culturais, desportivos e de entretinimento, ao encerramento das várias atividades da sociedade, até ao isolamento social e ao fecho de fronteiras. Muitos países declararam situação de emergência, onde as pessoas que transgredissem as regras eram punidas. Outras medidas foram impostas como as quarentenas de indivíduos assintomáticos, que proviessem de zonas com incidência da doença.

Até à data, o surto continua em investigação, transmite-se de pessoa a pessoa, por via respiratória, através de microgotículas provenientes do nariz ou da boca, expelidas por tosse, espirros, fala ou secreções de pessoas infetadas. O vírus entra na pessoa de forma direta pela inalação dessas gotículas ou aerossóis, que ficam em suspensão no ar, sendo pois necessária uma aproximação física, ou de forma indireta pelas partículas contaminadas, que caem em objetos e superfícies como teclados de computadores, comandos de televisão, telemóveis, maçanetas de portas, corrimões, volante do automóvel, chaves de casa e do carro, chão etc. Se as pessoas tocarem ou tiverem contacto com esses objetos ou superfícies contaminadas e depois tocarem nos olhos, no nariz ou na boca, podem ficar infetadas. Entretanto, as mãos contaminadas transportam o vírus para outras superfícies que posteriormente tocarem. Assim, a lavajem frequente das mãos é uma responsabilidade ética, de todos e cda um, em ordem salvar vidas pelo contágio do SARS cov-2.

O vírus sobrevive ao encontrar um hospedeiro e usa as suas células vivas para se replicar. Quando um vírus invade um hospedeiro, entra nas células e “sequestra” os sistemas naturais de produção de células, para fazer novas cópias de si próprio, ou seja, para se replica, constituindo-se como um parasita intracelular obrigatório. Este processo de replicação pode resultar em alterações na produção dos novos vírus, levando a uma mutação. Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. O tempo de incubação, intervalo de tempo que se situa entre contrair a infeção e os primeiros sintomas de doença, varia de 1 a 14 dias e parecem existir evidências que a transmissão do vírus acontece mesmo antes de os sintomas se manifestarem (Gordis, 2011).

Os principais sintomas das pessoas infetadas pelo coronavírus são febre, tosse seca, cansaço, dores musculares e dificuldade respiratória e ausência de paladar e cheiro, diarreia, urticária e, em muitos casos, coagulopatias. Nos casos mais graves, pode levar a pneumonia progressiva, com insuficiência respiratória aguda, insuficiência renal e de outros órgãos, septicemia e eventual morte. Já faleceram até à data, com a COVID-19, cerca de 3,4% dos doentes. Alguns doentes podem ter também congestão, rinorreia, faringalgia ou diarreia. Contudo, todos estes sintomas são normalmente leves e aparecem gradualmente.

Algumas pessoas, no entanto, estão infetadas, mas não apresentam sintomas nem se sentem mal. E a maioria das pessoas (cerca de 80%) recupera da doença sem necessitar de um tratamento especial. Esta doença infeciosa atinge qualquer pessoa, de qualquer idade, género, etnia ou condição social, mas tem-se mostrado mais letal para os idosos, principalmente para indivíduos com mais de 80 anos ou com outras morbilidades A taxa de letalidade, pela COVID- 19, é de 3,2% (estes dados são referentes ao dia 14 de abril de 2020, mas estes que têm oscilado ao longo dos dias) (Santos, 2020).

Convém referir que embora muito se tenha estudado sobre este novo vírus, muito há ainda para pesquisar, pois que pouco se sabe sobre o seu comportamento. Seria importante a criação de um produto (vacina), a fim de ser possível adquirir imunidade. Investigadores de vários países tem feito muitos esforços neste sentido.

4. Prevenção e proteção da propagação do SARS cov-2

A propagação do SARS cov-2 faz-se com facilidade entre seres humanos, sendo o homem ao mesmo tempo o vetor e o hospedeiro. É importante como medida de saúde pública e de saúde individual, que a pessoa não se exponha a si e os outros, ao risco de contrair a doença. Uma vez que a transmissão ocorre através de gotículas e das vias respiratórias, sendo a prevenção essencialmente por medidas de isolamento social, de higiene individual e etiqueta respiratória. O vírus entra no corpo através dos olhos, nariz e boca, como já foi referido, portanto é importante evitar tocá-los com as mãos não lavadas. A lavagem frequente das mãos, com água e sabão ou com uma solução alcoólica, com a duração 40 a 60 segundos, a desinfeção de superfícies, que se entendam como suscetíveis de contaminação e o uso de máscara são medidas, que devem fazer parte do quotidiano de quem lida de perto com a pandemia e quer prevenir e controlar a infeção.

A família para se prevenir e proteger da infeção por SARS cov-2 deve cumprir os fundamentos básicos de proteção enumerado anteriormente. Sempre que um elemento sai de casa, ou para laborar, para fazer compras ou outros afazeres, deve ter cuidados ao entrar em casa para não contaminar aqueles que permaneceram no lar. Se cada elemento da família os cumprir, então estaremos não só a proteger-nos, como também a proteger os outros elementos do agregado familiar.

Segundo as orientações para um plano de contingência familiar, elaborado por um grupo de docentes da Universidade Católica, as boas práticas, em relação ao reforço físico e imunitário, são essenciais, a fim de que as pessoas se alimentem de forma equilibrada, tendo em conta os gastos energéticos. Não podemos esquecer que estes são menores do que o habitual. Assim para manter o sistema imunitário a funcionar convenientemente é necessário reforçar a hidratação, por exemplo, com bebidas quentes, chás ou infusões, comer frutas, hortícolas, proteínas, iogurtes, queijos e outros lacticínios, (Verdelho et al., 2020).

Nas organizações, ERPIs e outras, o cumprimento de regras deve ser escrupuloso por parte de todos os trabalhadores. Devem existir planos de contingência bem elaborados e estruturados para cada contexto de trabalho. Devem ser criados circuitos de “limpos e contaminados”. O equipamento de proteção individual (EPI) deve estar disponível e ser usado adequadamente. Além disto, é fundamental informar todos os intervenientes, dando formação adequada e fazendo cumprir todas as normas. Todos devem estar informados dos riscos que correm e fazem os outros correr com procedimentos menos corretos.

Por isso, controlar a fonte de infeção (isolando), interromper a rota de transmissão (lavagem das mãos com frequência, desinfeção de superfícies e outros e uso de EPIs) e proteger as pessoas suscetíveis são as únicas maneiras de controlar a propagação de doenças infeciosas, nomeadamente a COVID-19, dependendo da consciencialização de cada um e do cumprimento rigoroso das normas.

5. Vulnerabilidade psicológica e social

A vulnerabilidade psicológica e social, no âmbito da gerontologia, é o estado de indivíduos ou grupos que, por alguma razão, têm a sua capacidade de autodeterminação diminuída e podem apresentar dificuldades para gerir a sua própria saúde, bens e/ou interesses, devido a déficite de poder, alterações cognitivas, educação, recursos, força ou outros atributos (Barbosa, K. et al., 2017). As condições pessoais, sociais, económicas, culturais e políticas são determinantes para a vulnerabilidade dos mais idosos.

Como já foi referido, à medida que o individuo avança na idade torna-se mais vulnerável. Estudos têm mostrado que, em relação ao género, as mulheres são menos vulneráveis do que os homens, talvez este facto se deva à razão de terem uma expetativa de vida mais longa do que eles e com isso poderem desenvolver mais problemas crónicos e incapacitantes (Jesus et al., 2017).

Em relação ao estado conjugal, os mais vulneráveis são os que estão viúvos ou solteiros a viverem sós. A viuvez exige mudanças no estilo de vida das pessoas, visto que têm de fazer uma adaptação ao novo contexto da vida. Em muitas situações, com a morte do cônjuge, há uma diminuição de rendimento, com repercussões em carências materiais e em menor cuidado com a saúde. Estes idosos evidenciam mais riscos de apresentarem dependência com menos suporte social, tornando-os por isso mais vulneráveis (Jesus et al., 2017). A morte de um parente ou amigo pode ser motivo para desencadear stresse, isolamento social e solidão (Barbosa, K. et al., 2017). Estes fenómenos culminam, muitas vezes, com estados de tristeza e depressão que nem sempre são diagnosticados de forma correta e/ou atempadamente.

As famílias de hoje não são o que eram noutros tempos. São diferentes quanto à sua estrutura e dinâmicas familiares. É fácil encontrarmos idosos a viverem praticamente sós, pois os filhos estão ocupados com os seus e com o emprego, muitas vezes a residirem longe da residência dos pais. É vulgar os filhos referirem que ficam sem tempo disponível para os idosos do seu agregado familiar. Entretanto, é comum encontrarmos idosos a serem cuidadores dos seus cônjuges idosos doentes e, também eles, a necessitarem de apoios e cuidados de saúde (Nogueira, 2012). À medida que se envelhece, as necessidades de saúde aumentam e todo o suporte que se tinha até então começa a escassear.

Uma forma de reduzir as repercussões negativas da solidão e do isolamento é oferecer ao idoso soluções, ajustadas às suas capacidades, para que estes sentimentos sejam reduzidos ou anulados, e. ainda, para que o idoso crie objetivos de vida, com uma rede de suporte social estruturada, que incentive o convívio coletivo, a aprendizagem de novas atividades que levam à descoberta de novas capacidades, tornando-se assim mais útil.

Em período de pandemia e de emergência nacional, tal não é possível, pelo menos de forma próxima e presencial, uma vez os idosos devem ficar confinados em casa, para não se exporem a contaminações oportunistas. Para muitos, a delimitação da casa leva a que o isolamento e a solidão se tornem elementos presentes e persistentes, na ausência de um suporte social sólido. Os problemas dos idosos, alguns muito severos, agravam-se ainda mais, no silêncio das quatro paredes. Há idosos, principalmente a residirem em zonas rurais, que são presas fáceis de burlões que tentam atacar por todos os meios. Há necessidade destes indivíduos de serem referenciados, para que sejam visitados com frequência, por profissionais de segurança, de saúde, voluntários não e para que sejam prestados cuidados de saúde, apoio e fornecidas todas as informações, para que se previnam problemas maiores, principalmente os idosos que vivem sós e com redes sociais frágeis.

O nível de escolaridade é um fator protetor para efeitos adversos da saúde dos mais idosos (Jesus et al., 2017). Assim, conseguir interpretar informações e adequá-las em seu proveito, ter acesso e saber manusear novas tecnologias podem ser fundamentais para que o idoso não se sinta tão só e isolado. Porém,o baixo nível de escolaridade poderia ser decorrente das condições de vida. Os idosos de hoje, durante a sua juventude, tinham uma educação informal sem acesso a uma escola. Muitos têm uma escolaridade baixa, ensino primário, ou são analfabetos. Estes indivíduos podem apresentar mais problemas de saúde mental, condições crónicas, menos acesso a informações e condições socio económicas desfavoráveis, do que os que têm mais escolaridade (Jesus et al., 2017; Barbosa, K. et al., 2017).

Barbosa et al. (2017) referem que a vulnerabilidade individual é fortemente influenciada pelo grau de dependência funcional e pela autonomia dos idosos. Estas estão não só diretamente relacionadas com a sua capacidade de executar as atividades da vida diária sem auxílio, como também a capacidade de decidir livremente e de se integrar socialmente. A gravidade desse declínio é determinada por prejuízos físicos causados por más condições de saúde e por fatores externos, como o apoio social, financeiro e familiar (Barbosa, K. et al., 2017).

6. Medidas de proteção da saúde mental em tempos de pandemia

A nível familiar, de acordo com o Manual de Orientações para um plano de contingência familiar elaborado por Verdelho, et al. (2020), é necessário cuidar da saúde física e mental de toda a família, promovendo o respeito de todos pelo espaço de cada um, dando espaço consciente para manter a sanidade mental de todos e aumentando os níveis de tolerância e compreensão, porque há momentos em que cada um precisa de se sentir sozinho no seu espaço.

Este Manual também adverte que se tente evitar passar o tempo a ver televisão, dois a três programas por dia será o suficiente e passar o dia de pijama. As pessoas em confinamento, nomeadamente os idosos, devem tentar fazer as rotinas habituais. Devem ser incentivados a vestirem a roupa, que habitualmente vestiam, cumprindo os horários de levantar e deitar, de refeições, de higiene e asseio pessoal, do trabalho, do lazer e do tempo em família. O exercício físico é importante e pode ser feito em casa, recorrendo, quando acessível, a vídeos. Ter contato com o meio exterior também é importante, para isso podem ir até a uma varanda, terraço ou jardim, apanhar sol, ler um livro, ouvir música ou simplesmente contemplar o meio ambiente. Esta será também uma forma de arejar a casa (Verdelho et al., 2007).

Tratando-se de idosos é muito importante que estes se mantenham o máximo isolamento físico possível, para que alguém do agregado ou voluntariado lhes faça chegar os bens de primeira necessidade, assim como os medicamentos que, entretanto, vão terminando. Verdelho et al. (2020, p. 3) referem: “idealmente as pessoas mais velhas devem estar em casa isoladas ou em locais apropriados com outras pessoas da sua idade, com quem possam comunicar: é desejável garantir um acompanhamento telefónico, pelo menos diário, pois isso tem um elevado impacto psicológico; a comunicação e a atenção regulares são fundamentais, aplicando-se as mesmas recomendações à família próxima; deve ser criada, por amigos e familiares, uma rotina de comunicação que consiga minorar o efeito do isolamento (saber que àquela hora vamos sempre conversar, ajuda e podem juntar-se várias pessoas de família numa videoconferência, ajudando a manter a união familiar)”. É importante que o idoso sinta que é considerado e respeitado como sendo uma pessoa singular e que todas as dúvidas sobre sua situação e sobre a situação pandémica que todos estamos a vivenciar, sejam esclarecidas de forma simples e honesta. É muito importante que ele saiba como defender-se e proteger-se de ser contaminado e os riscos que corre ao sair de casa seja para o que for.

7. Vulnerabilidade como responsabilidade ética: entre o Samaritano e o Desvalido

Segundo Levinas, é na subjetividade que o Eu, sempre posterior à alteridade, se manifesta ao Outro, que existe necessariamente antes do Eu e que chama o Eu à existência. Então toda a subjetividade é em relação com o Outro, na dependência do outro que o faz ser.

Reconhecer no humano a vulnerabilidade é o mesmo que dizer que ele é passivo a uma ação. Significa afirmar que o Homem é um ser colocado no mundo que interage com outros. Reconhecer o Homem como ser finito significa afirmar que a sua corporeidade não é única e simplesmente identificável a uma coisa mundana.

Pela sua corporeidade, o ser humano é um ser encarnado capaz de afetividade, de ação e desejo e de tomar consciência de si, como ser mortal. Inerente à sua corporeidade reconhece-se a capacidade de transcender o estatuto de objeto ou de algo manipulável. Corporeidade e transcendência sustentam-no como consciente de si, capaz de se reconhecer como finito vulnerável e como agente moral. Em sentido concreto, vulnerável é aquele que pode ser atingido no plano físico, psíquico, social ou moral. O pathos próprio do homem faz dele um ser de múltiplas potencialidades e de fragilidades. Por outros termos, ser corpóreo, será aquele que se projeta para fora de si e se relaciona com o Outro.

Segundo Patrão Neves, a vulnerabilidade não define a subjetividade num plano ontológico, como identidade substancial ou natureza do ser humano, mas no plano ético, surge como um apelo a uma relação não violenta entre o Eu e Outro, no “face a face”, situação originária da subjetividade. O Eu, na sua vulnerabilidade, apresenta-se como resposta não violenta à eleição do Outro que o faz ser. Assim, continuando a citar a mesma autora, a vulnerabilidade entra, no vocabulário filosófico como realidade constitutiva do homem, como condição universal da humanidade e como indissoluvelmente ligada à responsabilidade, no sentido etimológico de resposta. A vulnerabilidade, no cenário do existir humano, tem permitido a expressão de uma ética de solicitude ao Outro. Na situação do cuidado, a vulnerabilidade indica o anseio de ser auxiliado, de receber as ajudas no sofrimento da doença. A primeira intenção ética é dar prioridade ao Outro para aliviar-lhe a dor e o sofrimento. Assim, perante uma pandemia, como esta emmque vivemos, teremos que dar prioridade ao Outro, aquele que está contagiado pelo vírus SARS cov-2. É uma resposta do Desvalido no Caminho.

O Rosto do próximo significa uma responsabilidade irrecusável, precedendo todo o consentimento livre, todo o pacto e todo o contacto. Ele permanece absolutamente assimétrico em relação a mim. Refere-se como responsabilidasde nunca totalmente responsável, não sendo o contacto com Outrém, que anularia a “alteridade”. A responsabilidade é o que exclusivamente me incumbe e que humanamente não poderei recusar. Por esta responsabilidade estou pronto para para seguir na senda do bem em favor do Outro (infectados com o vírus, pessoal sanitário, que está na linha da frente. O surgimento do Outro, como vulnerabilidade, será a vida da minha responsabilidade, que revela a finitude numa dimensão ética, porque o Homem não pode ilibar-se da chamada suplicante e exigente do Rosto do outro Homem. A chamada e o apelo vem do que está com o SARES cov-2. Esta proximidade não revela-se com carácter espacial, mas sublinha, naturalmente, o carácter contingente desta relação, porque próximo é o primeiro que chega. O próximo mais próximo, segundo a interpretação da parábola, pela leitura de Levinas, sendo aquele que chegou primeiro. Foi o quidam homo, que descia de Jerusalém para Jericó, que caiu às mãos dos salteadores, que O despojaram e abandonaram, deixando-O “meio-morto”.

O responsável é o desenraizado, o apátrida, o exposto ao frio e ao calor das estações, o que, em suma, está despido de dignidade ou de valor, aquele que é Desvalido e vulnerável. E a responsabilidade é ditada, não pela distância, pelo espaço ou pelo tempo, de que o seu ser, como “vulnerável”, me incumbe, me acusa de uma falta, que não cometi livremente, obrigando-se a um despojamento de si mesmo, para cuidar do Outro como frágil. Assumir a responsabilidade por outrem é, na verdade, uma maneira de testemunhar a glória do Infinito e de ser inspirado por Ele.

A vulnerabilidade é uma responsabilidade de responsabilidade, com o Outro, e a responsabilidade é uma vulnerabilidade do Samaritano. Daqui se infere que a vulnerabilidade do Outro (quidam homo) será um “aniquilamento plesiológico”. Surge como um proprium plesiológico do Desvalido no Caminho da vida. O cuidado é uma responsabilidade. É o elemento plesiológico do vulnerável. Sem o cuidado ao Desvalido aquilo que se vivencia será a “vulnerabilidade da vulnerabilidade”.

Com efeito, o Outro torna-se “vulnerável”, confirmando a minha permanência e não me deixa fugir tal como o Samaritano, que viu e se aproximou. O Sacerdote e o Levita significaram uma rutura de solidariedade com o Outro (semi-morto). O Outro (des-valido) está próximo, provocando no Samaritano a questão ética, leva-me para além da minha vontade e da minha consciência, desperta-me para a responsabilidade, que se expressou na atitude do Sacerdote e do Levita, como distância do vulnerável.

Foi o Outro (desvalido), que apareceu primeiro no caminho da proximidade, tendo levado o Samaritano (vocação do cuidado) à proximidade, que O acolhe e responde aos Seus apelos. Estes apelos do vulnerável são os cuidados (colocou as ligaduras, e aplicou o azeite e vinho). A responsabilidade surge como relação sem relação não mediada, na imediato do Outro, que é subjetividade anárquica como implicação, receção e aceitação vulnerável, que vem a mim (Samaritano), como aquele que presta cuidados, significando mais do que a origem e mais do que a consciência. A responsabilidade converte-se em sujeito, chega ao superlativo, quando desencadeia a “inquietude” que não cessa, convertendo-se em única e, desde este momento, esquecendo-se completamente da reciprocidade. A responsabilidade é vulnerabilidade, fazendo com que esta seja uma “plesiologia quenótica”. Na vulnerabilidade há a quenose do sujeito. O “aniquilamento plesiológico” é a quenose da vulnerabilidade, que teve o seu epílogo no Gólgota, pela Paixão e Morte, e apresentou o seu prólogo no proto-evangelho da Cruz: parábola de Bom Samaritano. A responsabilidade não está no saber e tão pouco na reciprocidade. A proximidade é não-indiferença à presença do Outro, que me olha. A responsabilidade é presença do vulnerável (semi-morto), como Desvalido, que olha e chama o Samaritano. Cuida de mim!… É o mandamento. A responsabilidade tem dois acusativos: vulnerabilidade e cuidado. Tratar a vulnerabilidade provocada pela COVID-19 é uma responsabilidade ética, porque se trata de um cuidado moral. A responsabilidade significa vencer o medo de superar o esquecimento da responsabilidade e da solidariedade ao chamamento e de encontrar a dimensão do existir e do fazer ao vulnerável. A responsabilidade é o movimento em direção ao Outro (vulnerável), sem preocupação do movimento de volta, porque houve um “movimento esplacnofânico” do Samaritano. Este foi em direção ao Outro, porque O (desvalido) viu, aproximou-se e acolheu-O sem se preocupar pelo “movimento” do regresso. A responsabilidade é a resposta indeclinável pelo “outro” e um dar-se inexorávelmente. Existe o paradoxo de uma responsabilidade da qual eu não sou responsável. Tal asserção leva-nos a pensar que existem três conceções de responsabilidade. Por um lado, a conceção corrente, a de uma “responsabilidade por imposição” e, por outro, a de uma “responsabilidade assumida”, e, finalmente, a conceção de “responsabilidade anárquica”, que precede toda a iniciativa pessoal e toda a intervenção prévia da liberdade. Será aquela que está presente em todos os cuidadores de saúde.

Pela figura mítica de Caim, a quem Deus pergunta: Onde está o teu irmão Abel? Aquele responde: Não sei. Serei eu o guarda do meu irmão? A resposta, na sua negatividade, é altamente reveladora de uma “responsabilidade” que Caim não “escolheu”. Caim não pediu para ser responsável do seu irmão. É responsável d’Ele, como de todos os outros em virtude desta fraternidade originária, que ultrapassa o parentesco.

Biblicamente, Caim é incapaz de reconhecer a bênção concedida ao seu irmão. A narrativa veterotestamentária dá a entender que Caim não compreendeu que a presença de Abel era uma Aliança, porque foi dele que recebeu a vida.

Como dom, Deus oferece a bênção, à humanidade, pelos Patriarcas do Antigo Testamento. O eleito, ao recebe-la, oferece-a à comunidade e, finalmente, o não-eleito (Caim) deveria alegrar-se com a bênção e pela escolha que Deus faz do eleito.

Segundo A. Couto, Deus confia nos homens, no eleito e nos outros, escolhendo entregar-se a eles, a acolher e a oferecer a alegria da salvação. Daqui, a necessária responsabilidade de cada vértice do triângulo: Deus, o eleito e o não-eleito. O fundamento da responsabilidade, para Levinas, reside naquilo que a “eleição” confere. Sentir-se como “eleito” é fazer parte da Aliança e ser único, como sujeito-escolhido, na condição de “refém”. A eleição, expressão da responsabilidade, nomeia-se nas seguintes flexões: consumar-se, entregar-se, etc. Assim, se entregam os profissionais de saúde diante do contagiado pelo Coronavírus.

A responsabilidade supõe o reconhecimento da Aliança, dado que somos recebidos como “dom”. Exige-se, assim, uma responsabilidade que faça da “resposta” uma “tarefa” (Aufgabe). Perante esta responsabilidade, o Desvalido no Caminho (semi-morto) constitui-se como “Gabe” (dom) e o Samaritano apresenta-se como “Aufgabe” (contra-dom / tarefa). A responsabilidade é uma “Vorgabe” (afirmação), aparecendo como “condição para a misericórdia”, que vem de Deus-Pai, através do Des-valido para o Samaritano. Finalmente, há uma “Eingabe” (petição / apelo) pelo silêncio e pelo sofrimento do Outro (des-valido). Porém, o Samaritano, pela eleição do Desvalido, realiza uma “Vergabe” (entrega) pela comoção ou estremecimento das vísceras, aplicando óleo e vinho e curando-Lhe as feridas (Lc 10, 33-34). O Samaritano, pela responsabilidade, “entrega-se” ao Desvalido no Caminho, porque Este se entregou primeiro ao Samaritano. Logo, o Sacerdote e o Levita foram a ausência do dom e realizaram a “Űbergabe” (rendição) e perderam-se na responsabilidade de “identidade”. Toda a parábola, única nos sinópticos, é uma Palavra, que foi eventum, marcando o acontecimento da “palavra”. O Bom Samaritano surge na proximidade da Bondade e do Bem por causa da “Gabe” divina, que se tornou humana.

Logo, a responsabilidade pelo Outro refere-se como uma “eleição”. O eleito nada faz para ser bom, ele é solicitado pelo Bem na proximidade. Assim se passou com o Samaritano que foi “eleito” pelo Outro, no caminho, porque Este o chamou. O protagonista é o Desvalido. A esta parábola deveria chamar-se “narrativa do Desvalido no Caminho” com um subtítulo: o Samaritano pelo comportamento misericordioso, podendo, também, denominar-se narrativa do Homo Viator. A responsabilidade, assim compreendida, ultrapassa a fundada sobre uma “livre escolha”. Aqui está presente uma responsabilidade de Infinito, uma responsabilidade por tudo e por todos. A minha responsabilidade é anterior à minha liberdade na medida em que sou chamado a responder ao “amor”. A responsabilidade do vulnerável cria-me uma ordem (pela ética normativa) e vivencia-me, pelos cuidados, pela “esplancnofania plesiológica” (ação da misericórdia ao próximo), atualizando uma aretologia soteriológica. A responsabilidade é a soteriologia da vulnerabilidade pelo cuidado. A responsabilidade é “dar prioridade “ao vulnerável. E o vulnerável será o que está com a COVID-19. A responsabilidade de identidade marca as condutas dos assaltantes, do Sacerdote e do Levita e mesmo do legista, de maneiras diferentes, vivendo todos para si e a partir de si, “agindo”, no seu comportamento, pelo interesse, autoestima, autoconservação, autoextensão, autorrealização e autossatisfação, precisamente naquilo que Levinas denomina “egoísmo alérgico”, que são os individualismos em guerra uns contra os outros. Todos contra todos.

Aquele pelo qual tenho que responder, afirma Levinas, é também aquele a quem tenho que responder. Naturalmente, devamos responder no próprio status da existência livre, que foi elevado a uma existência maior, como ele refere, com muita frequência, “além do ser”. Com efeito, sendo responsáveis pelas ações dos outros. A responsabilidade, por outros, é muito semelhante à comiseração, ter um sentimento por outro (desvalido no Caminho), que é um “sentimento esplancnofânico”, especialmente no seu sofrimento. Assim será o sofrimento daquele quve está com a COVID-19.

O Samaritano foi responsável pela dor e pelo sofrimento do Desvalido. A responsabilidade é uma esplancnofania do Samaritano para com o Desvalido no Caminho (meio-morto). A comoção das vísceras, de baixo para cima, será a responsabilidade pelo Outro, segundo a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37). A comoção das vísceras do Samaritano é uma “responsabilidade poiética” do mesmo, perante a responsabilidade anárquica, do Desvalido no Caminho. Ninguém pode substituir o Eu (Samaritano) nessa responsabilidade indeclinável. Ele deve ser responsável pelos outros e a presença deles assim o exige.

O modelo da responsabilidade identitária, em que “me comprometo” só pelos sucessos, insucessos e interesses, apresenta a sua pauta de comportamento (intrínseca e/ou extrínseca) revelada, metaforicamente, no Sacerdote e no Levita, que não se detêm e seguem em frente. O “des-valido” é considerado um ser sem categoria, sem dignidade, sem posição, como um estranho, não pertencendo ao seu “in-group” e/ou “out-group” e ao seu ciclo de amigos. Isto quer dizer que aquelas duas personagens do Templo de Jerusalém representam o “amor de identidade”. Trata-se de um amor que deseja o Outro, se pertencer ao seu mundo, enquanto ignora o “des-valido”: “viu, desviou-se e passou ao lado” (Lc 10, 31-32). O Sacerdote e o Levita amam aqueles que já estão dentro do seu mundo afetivo pelo sangue, pelo parentesco ou pelo interesse, mostrando-se desinteressados e desconhecedores dos demais. Estes são os protótipos do “amor de identidade”, onde o Outro é amado, porque já está dentro do meu Eu e me é necessário. O amor de identidade, simbolizado nos servidores do Templo, é um amor só aparente, que nega a própria realidade do amor, não só porque nele o Outro é definitivamente inalcançável, como também porque nele o Eu fica irremediavelmente irrealizado e, por isso mesmo, alienado. O amor de identidade é um amor duplamente paradoxal, tanto para o Eu, que, em vez de se realizar, fica perdido na Lei, nos Profetas e no ritual, quanto para o Outro que, no momento em que é possuído ou incorporado, em vez de estar próximo se revela inacessivelmente “distante”. Este é inexoravelmente um “não dar-se”. O projeto de autorrealização exige, da parte dos outros, reconhecimento, respeito, liberdade de ação e não responsabilidade da pessoa. Essa autorrealização, que seria o objeto e a razão da dignidade, só é possível pela solidariedade e pela vulnerabilidade.

Pela parábola do Bom Samaritano, o Desvalido no Caminho é “vulnerável” e o vulnerável é “desvalido”. Este é o grande epílogo da narrativa - conto, onde Jesus Cristo está presente como a “quenose” de Deus-Pai. Naturalmente, a vulnerabilidade é uma “quenose” e surge como aniquilamento do ser, do agir e do fazer. Jesus Cristo não escapou ao “aniquilamento” ou à “quenose”, no Golgota. A parábola do Homo Viator é eticamente um prólogo da vulnerabilidade de Deus-Pai, em Jesus Cristo, como responsabilidade anárquica. Tal como sucedeu com o Samaritano, usando terminologia levinasiana, a responsabilidade é o próprio, a própria espiritualidade, a própria “incondição” de um sujeito auto-heteronomicamente dito, isto é, de um sujeito absoluto e anarquicamente sujeito à anterioridade da “alteridade”. É um sujeito que vem a si, a si-mesmo, respondendo à anterioridade anárquica do Outro como “des-valido” no caminho. Surge a resposta responsável, obsessiva ou “infinita”, como responsabilidade sem começo e ilimitada. A responsabilidade é o que exclusivamente me incumbe e que humanamente não posso recusar. Este fardo ou tarefa é a suprema dignidade do único Eu. E sou Eu na justa medida em que sou responsável. Porque somos responsáveis sem “assumir” essa responsabilidade voluntariamente, sempre que a outra pessoa nos olha, as nossas respostas são em favor delas. Somos responsáveis pelas responsabilidades dos outros. Somos responsáveis eticamente por todos aqueles que estão com a COVID-19. Assim, foi o Samaritano. Nada que esteja relacionado com o alheio, refere Levinas, nos deixará indiferentes. Nada fora indiferente para o Samaritano.

Poderemos sempre exigir justiça, para os outros, especialmente aqueles que são mais responsáveis por nós, precisamente porque somos responsáveis até mesmo pelas responsabilidades dos outros. Contudo, a vulnerabilidade é uma “responsabilidade poiética”, de alteridade, porque conleva um compromisso de solidariedade e de acolhimento do Desvalido no Caminho, dado que habita na fragilidade. Toda a vulnerabilidade é uma responsabilidade por todos. Mais do que Eu. Cada pessoa será mais responsável ou culpada, que qualquer um ou que todos os demais. Na verdade, a vulnerabilidade, como responsabilidade, manifesta-se numa fenomenologia, caracterizada pelos elementos seguintes:

  • O vulnerável reage ao Outro e vice-versa numa pandemia;
  • O vulnerável é responsável por nós mesmo diante da outra pessoa numa luta pandémica;
  • O vulnerável é responsável pelo Outro no sofrimento provocado pelo SARS cov-2.

Esta responsabilidade não é um ato deliberado e assumido ou um predicado da consciência, segundo a leitura de Levinas, mas “trauma sofrido”. A responsabilidade aparece como fardo absoluto, que consagra a suprema dignidade do único. Logo, a sujeição do sujeito, da substituição até à expiação, é eleição pela responsabilidade e para a responsabilidade de alteridade. A eleição, pela anterioridade do Bem para a bondade do Bem ou para o “des-interesse”, no cuidado absoluto e absolutamente desinteressado pelo Outro, encontra-se no paradigma de alteridade.

O Samaritano, diferentemente do Sacerdote e do Levita, sendo estrangeiro e mal-visto, por razões étnicas e cultuais e ainda como inimigo, é o representante do “amor de des-­interesse”, pelo qual o Outro não é homogéneo ao próprio projeto, mas rompe-o e coloca-o ao seu serviço. Detendo-se e inclinando-se perante o “desvalido” (semi-morto), que encontrou no caminho, o Samaritano não somente não O prende dentro do seu projecto, bem como O “vê” no seu projecto, que irrompe e se re-define, não já como uma “autorrealização”, mas como um “serviço”. O amor de alteridade, como de irmão, dado pela responsabilidade arquioriginariamente considerada, do qual o Samaritano é a imagem narrativa, não conleva o Outro (des-valido) ao horizonte do Eu, mas antes converte o Eu ao serviço do Outro. O amor de alteridade, na sua “resposta ética” (responsabilidade pelo Outro), aproxima­se do Outro, não para se realizar, mas antes para vivenciar o Outro, não para se projetar, mas para “cuidar” do Outro e fazê-Lo ser. Pela parábola de Lucas, a “responsabilidade de alteridade”, que julga e que redefine qualquer Outro, será a de “des-identidade”, única que aproxima do Outro e aproximando-se do Outro realiza o próprio Eu, revelando-lhe a sua “autenticidade”. A vulnerabilidade implica uma correlação intersubjetiva, onde se encontra o patético do agir, do estar, do ser e do fazer. Daqui que, segundo a fenomenologia bíblica, a vulnerabilidade teve uma morada (conduta humana frágil), onde habita a falência do estar até ao fazer, surgindo como uma vivência plesiológica representada no Samaritano. Fenomenologicamente, a vulnerabilidade diz uma relação plesiológica pela conduta poiética. Não necessita de imperativos teleológicos (ética nicomaqueia) nem de imperativos categóricos (deontologismo kantiano), dado que é a verdadeira debilidade, como, na ordem da economia soteriológica, esteve Jesus Cristo no pretório de Pôncio Pilatos. O Ecce Homo é a vulnerabilidade suprema da “esplancnofania poiética” do Pai das Misericórdias. Esta vulnerabilidade, além de ter um proémio na parábola do Bom Samaritano, verificou-se na flagelação, segundo S. João, onde se encontra realizada desde a passividade da passividade até à proximidade do Samaritano ao Desvalido. Este é o Rosto da fragilidade do ser ao fazer. A vulnerabilidade traz consigo xenologia ou a dimensão da estranheza do agir e do fazer. È uma xenologia poiética. A vulnerabilidade participa deste cuidado xenológico. Segundo a parábola do Bom Samaritano, será possível uma “teologia da vulnerabilidade”, caracterizando-se pelo papel do estranho na doação e serviço da fragilidade do Outro. O agir e o fazer implicam “condutas quebráveis”, como encontramos nas personagens da parábola: salteadores, Sacerdote, Levitas, Samaritano e “semi-morto” A vulnerabilidade é uma qualidade vivencial do Desvalido, e este é per naturam suam vulnerável. De facto, a “comoção das vísceras” do Samaritano é uma dimensão plesiológica da vulnerabilidade, uma vez que esta origina aquela. A vida do Desvalido no Caminho é determinada pela debilidade ontológica. Naturalmente que a vulnerabilidade está condicionada pela solidariedade. Quanto mais vulnerável, mais solidário se é. Aqui está o sentido da responsabilidade. No entanto, mesmo que ajudássemos a outra pessoa, à luz da deontologia, o valor moral da nossa ação não teria sido determinado pela resposta, segundo Hutchens, e sim porque estaríamos obedecendo àquela regra. Contudo, segundo Levinas, a exigência da responsabilidade, por parte da outra pessoa é indeclinável, não podemos dizer não a ela. A vulnerabilidade será também uma pergunta de fragilidade de um Desvalido no Caminho (quidam homo), que induz uma resposta, sendo a “responsabilidaee poiética”, para com o Outro, por parte do Samaritano, como um tipo de responsabilidade de alteridade. Toda a vulnerabilidade possui per se uma responsabilidade agápica, onde o Samaritano é insubstituível. Ninguém mais poderá ocupar o lugar do Samaritano e assumir a condição de “semi-morto” (Lc 10, 25-37).

O vulnerável é um “semi-morto”, que se mostra como um Rosto fragilizado (nu, doente, pobre, drogado, etc). É o Rosto do Outro!… Ser Desvalido no Caminho é ser vulnerável. Assim, perceber o Outro fragilizado, como outro, é entender, na epifania do Rosto, a solicitação do vulnerável. A vulnerabilidade é uma solicitude ou preocupação do ser- Outro. Existe, naturalmente, uma “responsabilidade esplancnofânica”, que está inerente à vulnerabilidade (vulnus, -eris). A vulnerabilidade implica uma responsabilidade como um sofrer pelo Outro. A responsabilidade por Outro será uma comiseração ou uma misericórdia. Apresenta-se como um sentimento esplancnofânico, por outra pessoa, especialmente no seu sofrimento.

Ninguém pode substituir o Eu, nessa responsabilidade indeclinável. Ele deve ser responsável pelos Outros e a presença deles assim o exige. Segundo a vulnerabilidade, quando alguém se aproxima, a responsabilidade, por essa dor e sofrimento, é radical, mesmo que não tenhamos causado a mesma dor, nem assumindo qualquer responsabilidade por ela, segundo interpretação de Hutchens. Para haver vulnerabilidade é porque há sofrimento. A responsabilidade será uma expressão da vulnerabilidade, porque esta implica o sofrimento do Outro. É-se frágil, porque se é responsável. O vulnerável sente dor, mesmo que não tenha causado a mesma dor ou sofrimento. A “responsabilidasde esplancnofânica” traz consigo a vulnerabilidade esplancnofânica.

O Outro (Desvalido no Caminho) poderá ressentir-se da sua vulnerabilidade, como corpo físico, e da impossibilidade de recusar a sua responsabilidade ou de sentir, que ela é recíproca. A vulnerabilidade é um ressentimento do Outro e do Eu (Samaritano). Implicará naturalmente a responsabilidade como dado recíproco. Poderemos imaginar um Eu (Samaritano) que está ressentidamente obcecado com a responsabilidade irrecusável. O ressentimento, que está no face-a-face da vulnerabilidade, poderá ser o único meio de auto-evidência disponível do Eu autodeterminante e irrecusavelmente responsável. Esse rancor, na vulnerabilidade, está de tal maneira emaranhado com a responsabilidade, que é quase impossível distinguir um do Outro. Logo, a vulnerabilidade é o ressentimento do Outro pela responsabilidade. Daqui surge uma conduta vulnerável, que vai da Hamartiologia à Cairologia, no sentido de definir uma nova ética, que poderá ser chamada de Ética da Fragilidade, que tem um paradigma na parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37).

Segundo o sentido fenomenológico, a vulnerabilidade tem tanto de solidariedade, quanto esta daquela. É uma necessidade plesiológica que vem do sentido axiológico-ético da vulnerabilidade de um Desvalido no Caminho. Esta é a parábola da vulnerabilidade, porque descreve um Desvalido na sua “debilidade soteriológica”, como responsabilidade anárquica do Pai das Misericórdias. Segundo Levinas, a responsabilidade é o que exclusivamente me incumbe e que, humanamente, não posso recusar. O Samaritano não recusou o Desvalido. O Sacerdote e o Levita não O receberam e não se entregaram ao “semi-morto”. Este encargo é uma suprema dignidade do único Eu, não intercambiável porque sou Eu apenas na medida em que “sou responsável”. Pela responsabilidade posso substituir-me a todos, mas ninguém pode substituir-me. A minha responsabilidade não cessa, ninguém pode substituir-me. Ninguém substituiu aquele Samaritano. Na responsabilidade, por Outrem, é-se responsável pela morte do Outro. A retidão do olhar não será uma exposição, por excelência, que é exposição à morte. O rosto é visado à queima-roupa pela morte. Aqui temos o ápice da vulnerabilidade poiética da parábola do Bom Samaritano. Reconhecer no humano a vulnerabilidade é o mesmo que dizer que ele é passivo a uma ação, provinda do outro ser. Significa afirmar que o Homem é um ser colocado no mundo, que interage com outros. Reconhecer o Homem como ser finito significa afirmar que a sua corporeidade não é única e simplesmente identificável a uma coisa mundana, objetivável.

Pela sua corporeidade, o ser humano é um ser encarnado capaz de afetividade, de ação e desejo e de tomar consciência de si, como ser mortal. Inerente à sua corporeidade reconhece-se a capacidade de transcender o estatuto de objeto ou de algo manipulável. Corporeidade e transcendência sustentam-no como consciente de si, capaz de se reconhecer como finito vulnerável e como agente moral. Em sentido concreto, vulnerável é aquele que pode ser atingido no plano físico, psíquico, social ou moral. Pode ser afetado, de modo negativo, por um mal que lhe cause danos físicos, psíquicos ou morais. Isso remete para a ideia de risco eminente que pode provocar sofrimento. O pathos próprio do homem faz dele um ser de múltiplas potencialidades e de fragilidades. Logo, uma fragilidade será uma pandemia, como a que estamos a viver pela ação maléfica do SARS cov-2. Por outros termos, ser corpóreo, será aquele que se projeta para fora de si e se relaciona com o Outro. A vulnerabilidade, no cenário do existir humano, tem permitido a expressão de uma ética de solicitude ao Outro. Isso leva ao entendimento da razão pela qual a prática clínica e as políticas de saúde devem ser consideradas como formas relevantes da humanização na luta contra uma pandemia. Fica assim configurada a relação entre o pathos da vulnerabilidade, na situação de sofrimento e de doença, e o apelo aos atos do cuidado clínico na vida infeciológica. Na situação do cuidado, a vulnerabilidade indica o anseio de ser auxiliado, de receber as ajudas no sofrimento provocado pela doença e pelo confinamento e mitigação, como formas profiláticas para lutar contra a COVID-19. A primeira intenção ética é dar prioridade ao Outro para aliviar-lhe a dor e o sofrimento nestas patologias infeciológicas.

O surgimento do Outro, como vulnerabilidade, será a vida da minha responsabilidade, que revela a finitude numa dimensão ética, porque o Homem não pode ilibar-se da chamada suplicante e exigente do Rosto do outro Homem. Esta proximidade não se revela com carácter espacial, mas sublinha, naturalmente, o carácter contingente desta relação, porque próximo é o primeiro que chega. O próximo mais próximo, segundo a interpretação da parábola, pela leitura de Levinas, é aquele que chegou primeiro. O próximo é o desenraizado, o apátrida, o exposto ao frio e ao calor das estações, o que, em suma, está despido de dignidade ou de valor, aquele que é Desvalido e vulnerável. O próximo, mais próximo da parábola, como Desvalido no Caminho gerou a proximidade de um Samaritano. E a proximidade é ditada, não pela distância, pelo espaço ou pelo tempo, de que o seu ser, como “vulnerável”, me incumbe, me acusa de uma falta, que não cometi livremente, obrigando-se a um despojamento de si mesmo, para cuidar do Outro como frágil.

O cuidado é uma proximidade. É o elemento plesiológico do vulnerável. Sem o cuidado ao Desvalido aquilo que se vivencia será “vulnerabilidade da vulnerabilidade”. Como salienta R. Meneses, o Outro torna-se “vulnerável” confirmando a minha permanência e não me deixa fugir tal como o Samaritano que viu e se aproximou. O Sacerdote e o Levita significaram uma rutura de solidariedade com o Outro (semi-morto). O Outro (des-valido) está próximo, provoca no Samaritano a questão ética, leva-me para além da minha vontade e da minha consciência, desperta-me para a responsabilidade, que se expressou na atitude do Sacerdote e do Levita, como distância do vulnerável. A proximidade não é um estado, nem um repouso, será precisamente inquietude, não - lugar, fora do lugar e do repouso, que perturba a calma da não localização do ser, que se torna “repouso”. A proximidade converte-se em sujeito, chega ao superlativo, quando desencadeia a “inquietude” que não cessa, convertendo-se em única e, desde este momento, esquecendo-se completamente da reciprocidade. A proximidade não está no saber e tão pouco na reciprocidade. A proximidade é não – indiferença à presença do Outro, que me olha. A proximidade é presença do vulnerável (semi-morto), como Desvalido, que olha e chama o Samaritano. Cuida de mim!… É o mandamento. A proximidade tem dois acusativos: vulnerabilidade e cuidado. Segundo R. Meneses, a proximidade é o movimento em direção ao Outro (vulnerável), sem preocupação do movimento de volta, porque houve um “movimento esplacnofânico” do Samaritano. Este foi em direção ao Outro porque O (desvalido) viu, aproximou-se e acolheu-O sem se preocupar pelo “movimento” do regresso.

8. Conclusões

É relevante a preocupação com os idosos, porque eles representam uma parte muito significativa da população. Culturalmente em Portugal continuamos a ter muitos cuidados com os mais velhos, em virtude de serem eles o nosso legado, verdadeiras fontes de sabedoria, seja o meio onde estejam inseridos, seja rural ou urbanisticamente pensando.

Fruto dos avanços científicos hoje vive-se mais tempo com mais saúde e qualidade de vida, mas inevitavelmente também é com o avançar da idade que os problemas de saúde vão surgindo, levando a várias limitações da pessoa que se podem agravar com a presença de doenças infeciosas, como o caso COVID-19, ainda com pouco esclarecimento, com capacidade de grande difusão e contaminação, dado que ainda não existe uma vacina nem antivíricos adequados.

O homem, ao longo dos anos, tem desenvolvido e aperfeiçoado mecanismos para manter e prolongar a sua saúde, melhorando-a em termos de qualidade da mesma. Devido a múltiplos fatores nem sempre esse objetivo é atingido, uma vez que, de tempos a tempos, aparecem novos agentes patogénicos com elevada infecciosidade, causando a morte a muitos apesar dos avanços e medidas de saúde pública. Os idosos, dentro da sociedade, são os que requerem uma atenção particular por parte das autoridades sanitárias e políticas por serem uma fração da população muito frágil. Por isso, a proteção da saúde, a nível físico, psicológico e social, torna-se emergente nestes indivíduos em tempos de pandemia.

Segundo a parábola do Desvalido no Caminho é um ex-sistere (estar a partir de qualquer coisa) frágil como se revela no “semi-morto”. A vulnerabilidade traz ontologicamente a marca da potencialidade do existir. Esta é in fieri como imperfeição do ser, do agir e do fazer, tal como surge na narrativa – conto do Bom Samaritano, a vulnerabilidade é um fieri das feridas do coração. Revela-se como cedência da espiritualidade do coração, que tem uma resposta.

A Vulnerabilidade, naturalmente, refere a grande instabilidade, em que se estrutura o existir, que se implica na essência dos nossos comportamentos, como responsabilidade por aquilo que não fui eu que fiz ou não me diz respeito. Assim, a vulnerabilidade é uma forma de passividade e de proximidade do sujeito, referindo-se, na parábola, como responsabilidade. Será esta que marca a vulnerabilidade. A vulnerabilidade é uma forma de responsabilidade do Desvalido no Caminho. Esta antecede frequentemente as nossas ações e pode anteceder aquela. A vulnerabilidade é do domínio do patético e o patético da vulnerabilidade é um esse pré-filosófico, donde tudo parte, tal significa que ele é o solo da desproporção da vivência pela polaridade finito e infinito

Como analisaremos, a parábola de Bom Samaritano é a narrativa da vulnerabilidade como responsabilidade de um Desvalido. Trata-se de uma metáfora vivente, que se centra no Desvalido no Caminho e que é o “rosto da vulnerabilidade”. O des-valere, ausência de valor, de dignidade, de ser e de fazer, tem a sua metáfora no “semi-morto”, que ía de Jericó a Jerusalém, onde no Gólgota realizará a passividade da passividade. O “Desvalido no Caminho” da parábola é além do homo viator, o homo pateticus, que carrega per se a vulnerabilidade pela cedência do ser Outro, como um compromisso soteriológico, que é a “responsabilidade anárquica”.

A fragilidade do Desvalido no Caminho é referida pelo versículo: Certo Homem (quidam homo) descia de Jerusalém para Jericó e caiu às mãos dos salteadores que depois de O despojarem e encherem de pancadas O abandonaram, deixando-O como “meio-morto”. A vida da vulnerabilidade anárquica, é aquela que vem do Pai das Misericórdias e vive-se na Paixão e Morte do “semi-morto”. A vulnerabilidade é a vida e o caminho da cruz. Podemos ver que a vulnerabilidade tem um “rosto”. O Rosto pede-me e ordena-me. Assim, é a vulnerabilidade como um pedido de cuidado. A vulnerabilidade conleva este pedido responsável. Este é sofredor e está aniquilado pela fragilidade da angústia existencial. Na vulnerabilidade, o coração está quebrantado pela dor e pelo sofrimento. Há uma cedência do coração, o Samaritano da parábola ao cuidar do Desvalido (metáfora da vulnerabilidade) será o pastor do vulnerável. Na parábola da vulnerabilidade do Homo Viator, encontraremos pelo caminho do nosso existir a passividade e a proximidade do vulnerável (nu, doente marginal, etc.)

A vulnerabilidade será ser responsável por Outrem, sem esperar a recíproca. Ainda que isto me viesse a custar a vida. Toda a vulnerabilidade é um cuidado plesiológico. E, naturalmente, segundo a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) diz uma “relação xenoplesioológica”. Quanto mais vulnerável for o ser humano, mais necessitado estará de cuidado, como solicitude do “outro-estranho”, representado no Samaritano. Somos todos responsáveis de tudo e de todos. Perante todos e eu mais do que todos, como se refere nos Irmãos Karamázov.

Pela parábola do Bom Samaritano, o Desvalido no Caminho é “vulnerável” e o vulnerável é “desvalido”. Este é o grande epílogo da narrativa - conto, onde Jesus Cristo está presente como a “quenose” de Deus-Pai. Naturalmente, a vulnerabilidade é uma “quenose” e surge como aniquilamento do ser, do agir e do fazer. A vulnerabilidade é a situação daquele que está ferido pelas pancadas dos salteadores, até estar sujeito ao sofrimento, como se simboliza no justo sofredor do Deus de Israel. A vulnerabilidade implica uma correlação intersubjetiva, onde se encontra o patético do agir, do estar, do ser e do fazer. Daqui que, segundo a fenomenologia bíblica, a vulnerabilidade teve uma morada (conduta humana frágil), onde habita a falência do estar até ao fazer, surgindo como uma vivência plesiológica representada no Samaritano.

Segundo o sentido fenomenológico, a vulnerabilidade tem tanto de solidariedade, quanto esta daquela. É uma necessidade plesiológica que vem do sentido axiológico-ético da vulnerabilidade de um Desvalido no Caminho. Esta é a parábola da vulnerabilidade, porque descreve um Desvalido na sua “debilidade soteriológica”. Esta narrativa - conto revela a conduta exemplar e provocante da fragilidade. A parábola do Bom Samaritano é uma narrativa deliberativa da vulnerabilidade. O Samaritano, segundo este encómio, é a expressão fenomenológica da vulnerabilidade, porque houve uma outra vulnerabilidade retratada no “semi-morto“.

O Sacerdote e o Levita eram senhores de si e do seu mundo e eram fiéis seguidores da Torah (instrução), nunca, nos seus corações, sentiram a vulnerabilidade. A resposta é plesiológica, segundo a parábola, mas os resultados são vulneráveis, porque marcados pelo “fazer esplancnofânico” de um estrangeiro, que marca a dimensão da estranheza ou uma leitura xenológica. A parábola do Bom Samaritano enquadra-se num discurso sobre a vulnerabilidade xenológica, originada numa “esplancnofania” como novo ethos do “fazer moral”.

A vulnerabilidade é condição e conduta da morada do fazer plesiológico, logo a vulnerabilidade como passividade determinará um novo elemento plesiológico. Deste modo pode ser entendida como uma categoria inerente à existência e à compreensão do ser humano, uma vez que exprime a própria finitude da condição humana. Na verdade, ser pessoa é ser vulnerável. Tal como nos afirma Osswald “a vulnerabilidade faz parte inalienavelmente da condição humana, já que todos somos vulneráveis em certas aéreas do nosso ser ou em determinadas épocas do nosso existir”. O Homem reconhece os seus limites de acção, vivendo a experiência da dor, do sofrimento, da angústia, da impossibilidade de controlar, na totalidade o que poderá surgir, de forma particular a morte. O facto da vivência da vulnerabilidade ser perspetivada e sentida de forma negativa, a forma como o Homem se confronta com a sua própria vulnerabilidade, poderá determinar uma orientação positiva, na medida em que a fragilidade da contingência do ser humano abre a perspetiva do Outro.

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