Recensão a Pino Bongiorno e Aldo G. Ricci, Lucio Colletti. Scienza e libertà

Pino Bongiorno e Aldo G. Ricci, Lucio Colletti. Scienza e libertà, Ideazione, Roma 2004.

Lucio Colletti (1924-2001), um dos filósofos mais importantes da Itália e um dos poucos a serem reconhecidos internacionalmente (à parte um certo provincianismo inglês, apenas ele e Benedetto Croce figuram, por exemplo, no Oxford companion to philosophy, de Ted Honderich, de 1995), acaba de receber uma homenagem, três anos após sua morte, com a publicação do livro Lucio Colletti. Scienza e libertà, de Pino Bongiorno e Aldo G. Ricci (Roma, Ideazione, 2004). Não se trata, como poderia sugerir o título, de um trabalho biográfico, mas da reconstituição do itinerário de um dos principais protagonistas da cena político-intelectual italiana na segunda metade do século XX.

Colletti encantou-se pelo marxismo entre os anos 40/50 do século XX, na esteira de Galvano Della Volpe, crítico do idealismo hegeliano e das concepções historicistas que marcavam o comunismo italiano, aos quais a vertente dellavolpiana tentou contrapor uma visão do marxismo como ciência. Profundo conhecedor de Hegel e de Marx, ele radicalizaria essa análise, chegando à conclusão, nos início dos anos 70, de que este era, no fundo, um epígono do primeiro. De fato, assumindo o método dialético, Marx e o marxismo distanciavam-se das ciências — absolutamente incompatíveis com a dialética —, por pressuporem que a realidade é autocontraditória. O real, como já ensinara Kant, comporta apenas conflitos, lutas, choques, isto é, «oposições reais»; contradições, jamais.

Admitindo a existência de contradições na realidade, o marxismo fazia-se portador de uma filosofia da história, introduzindo no processo histórico uma finalidade, uma meta. A dialética hegeliana, que em vão Marx tentara «inverter» em termos materialistas, fatalmente implicava uma visão finalística: o comunismo, a sociedade sem classes e sem Estado eram o corolário da história. Os comunistas (europeus, latino-americanos), enfim, se distinguiam de todos os outros pelo fato de se julgarem a «consciência da história», conhecendo-lhe as «leis de movimento», seu «sentido» e sua «racionalidade» interna, além de saber o «fim» que estava destinada a alcançar. Nesse quadro, fatos e valores eram uma só coisa (na verdade, algo já percebido bem antes por Hans Kelsen, cujo mérito Colletti reconhece).

O pensador italiano não hesitaria em levar tais conclusões às últimas conseqüências, principalmente a partir da entrevista a Perry Anderson, publicada na revista inglesa New Left Review (e reproduzida no livro Intervista político-filosofica, de 1974, juntamente com um ensaio sobre «Marxismo e dialética»). Rompendo com o marxismo, aproximar-se-ia cada vez mais de uma perspectiva liberal, laica, desencantada, ciente de que a ação humana, tanto quanto o conhecimento, comporta limites. Quanto à visão da história, não trairia sua memória se a aproximássemos da metáfora utilizada por outro filósofo italiano, Norberto Bobbio (falecido em janeiro de 2004), que a compara a um labirinto. Acreditamos saber que existe uma saída, diz Bobbio em sua autobiografia (Diário de um século, Rio de Janeiro, Campus, 1998), mas ninguém sabe onde está, e, não havendo alguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la nós mesmos. Eis a conclusão: «o que o labirinto nos ensina não é onde está a saída, mas quais os caminhos que não levam a lugar algum».

Desfecho niilista? Não. Apenas o ceticismo que faz bem às mentes livres, infensas às ideologias e aos dogmatismos. O «sentido da vida» consiste em não desistir de perseguir nossos valores e nossos fins (morais, políticos etc.), mesmo sabendo-se que não possuem qualquer garantia, nenhuma segurança ontológica: tudo depende apenas de nosso empenho e de nossas capacidades. Com o mesmo rigor com que analisou a «conexão Marx-Hegel», procurando nela destrinçar elementos científicos, Colletti desmontaria, ponto por ponto, toda a construção que erigira, revelando ter sido uma tentativa vã, «uma grande ilusão». (A propósito, tomo a liberdade de indicar meu livro O declínio do marxismo e a herança hegeliana [Florianópolis, Editora da UFSC, 1999], traduzido na Itália pela Mondadori em 2001 com o título Perché il marxismo ha fallito. Lucio Colletti e la storia di uma grande illusione).

Bongiorno e Ricci acertam em dizer que «ciência e liberdade inspiraram por vinte e cinco anos o marxismo de Colletti», e que «ciência e liberdade o afundaram». O marxismo collettiano, «obstinado e dramático», residiu neste laço entre ciência e liberdade. Percebendo que o núcleo de sua teoria era a negação deste enlaçamento, não hesitou em expô-la como neve ao sol, assumindo progressivamente uma concepção da existência e da política mesclada a um desencantamento weberiano e a um ceticismo humeano: «um confiar na ciência sem as ilusões do cientismo, um liberalismo não fideísta». Não lhe faltaram críticas, ataques e sarcasmos, ainda mais pela paradoxal decisão que tomaria posteriormente.

Convencido de que a Itália necessitava de reformas institucionais para fortalecer o executivo e a social-democracia e livrar-se da partitocrazia alimentada por comunistas e democratas-cristãos (com a máfia ao fundo), Colletti se aproximaria do PSI nos anos 80 — colaborando intensamente na imprensa — e, mais tarde, da Força Itália de Berlusconi, partido pelo qual seria eleito deputado em 1996, junto a outros professores filósofos e historiadores, como Vittorio Mathieu, Marcello Pera e Piero Melograni, todos movidos pelo interesse por uma «reforma liberal» do Estado italiano. Inconformista e incômodo, Colletti não tardaria, porém, a dissentir do partido e de Berlusconi, com o qual suas relações acabariam sendo «péssimas» (segundo carta a mim enviada poucos meses antes de falecer). Mestre do desencantamento e da ironia, envolto num crescente pessimismo, o pensador seria obrigado a admitir, uma vez mais, que as idéias liberais ainda estavam distantes do «pastiche italiano».