A doutrina husserliana da consciência. Um estudo a partir das Investigações Lógicas (Vª) e das Meditações Cartesianas (Vª)

1. Introdução

Por muito tempo a consciência ficou sendo a terra de ninguém.

Os psicanalistas, sob a liderança de Sigmund Freud, desde o início do século XX, enfatizaram os processos mentais inconscientes, considerando a consciência como mero teatro de um script escrito em outro lugar. Preocupados com a compreensão e a cura das doenças mentais, julgaram estar no inconsciente a primeira fonte de conflitos e desordens mentais.1

Os comportalmentalistas mantiveram uma atitude cética diante da consciência, que não passava de uma câmara obscura. Liderados por John B. Watson, seu interesse inicial era a experimentação com animais, que, sendo objetiva, eliminava a subjetividade dos estudos da consciência, dos relatos introspectivos e das associações livres do inconsciente.2

Os cognitivistas estão interessados em saber como a mente estrutura ou organiza as experiências — influência da Gestalt, que ressaltava, assim como Piaget, uma tendência inata da mente de organizar a experiência consciente (as sensações e as percepções) em unidades e padrões de significado. A mente dá forma e coerência à experiência mental. Durante as décadas 60 e 70 do século XX, o cognitivismo assumiu a doutrina do computacionalismo que pode ser resumida em três teses: 1) o cérebro é comparável a um computador digital; 2) a mente é comparável a um programa computacional; e 3) as operações do cérebro podem ser simuladas em um computador digital.

No entanto, nos últimos anos, segundo Bruner,3 o cognitivismo abandonou o computacionalismo e passou a dar ênfase a aspectos que considerava esquecidos pela revolução cognitiva, defendendo que originalmente era o significado, e não o processamento de informações, o objeto central deste movimento. A questão da natureza da consciência começou a ocupar o lugar central nas pesquisas em Filosofia da Mente e em Ciência da Cognição, do qual os estudos de Jackendoff,4 Calvin,5 Dennett6 e Flanagan7 são marcos. O notável desenvolvimento das neurociências alimentou a convicção de poder penetrar facilmente na mente utilizando os mesmos instrumentos ou modalidades de investigação que geraram tanto sucesso nas ciências físicas. Porém, uma compreensão autêntica da mente continua sendo um objetivo distante. Se é verdade que numerosas experiências indicam uma estreita correlação entre os nossos estados mentais e as atividades observadas em algumas regiões cerebrais, também é verdade que tal correlação não nos diz substancialmente nada acerca da relação causal existente entre os dois domínios de fenômenos.8 A correlação não consegue explicar como de um conjunto de processos que acontecem impessoalmente dentro dos neurônios cerebrais seguindo leis físicas se chegue a experiências subjetivas vividas em primeira pessoa por um determinado indivíduo.

Embora muitos cientistas mantenham a convicção de que o computador seja um bom modelo da mente humana, não podem ignorar as problemáticas referentes principalmente a algumas características da consciência, como a subjetividade da experiência e a liberdade implícita no conceito de vontade consciente, contrapostas à objetividade e à impessoalidade dos processos computacionais. A questão que se coloca é a seguinte: por que o desempenho destas funções é acompanhado por experiências? Como e porque surge a experiência no decorrer do processamento de informação?9

Diante de uma insatisfação crescente por tal modelo, percebe-se a falta de uma alternativa capaz de se inserir coerentemente no atual paradigma científico. Provavelmente este seja o motivo pelo qual, enquanto as pesquisas experimentais no campo neurofisiológico continuam acumulando dados acerca da relação mente-cérebro, os cientistas teóricos parecem andar em círculos, fazendo retoques marginais, introduzindo conceitos ou distinções ad hoc em concepções insatisfatórias, alimentando um debate que parece estéril.10

À exceção de alguns casos, como o do físico Roger Penrose,11 a maioria dos cientistas não parece admitir a possibilidade de que as dificuldades encontradas, ao invés de serem devidas à extraordinária complexidade do cérebro humano em relação aos ainda limitados conhecimentos e instrumentos disponíveis, possam advir do fato de ter adotado um quadro de referência inadequado. Segundo Silva Filho,12 a maioria dos filósofos contemporâneos compartilha uma visão naturalista do mundo que provê uma crítica devastadora ao mentalismo e ao dualismo que dominaram as filosofias do conhecimento e da subjetividade na modernidade. Nesta perspectiva, segundo ele, a pergunta sobre “qual o lugar que a mente ocupa no mundo” envolve duas coisas: de um lado, o mundo do qual se fala é necessariamente o mundo físico; do outro, ou a mente deve ser entendida no quadro referencial13 ou o conceito de mental não passaria de um erro categorial, um mito, uma ilusão ou simplesmente um mistério.

Talvez seja prematuro pretender uma mudança drástica de rota. Contudo, poder-se-ia começar promovendo uma “volta às coisas mesmas”, buscando uma recondução do conceito de consciência, um conceito que foi vítima, desde o início, de uma grande confusão semântica, que ainda perdura.

É neste sentido que acreditamos ser de grande valia retomar as investigações de Edmund Husserl acerca da consciência. Tomar-se-á por base a Quinta Investigação lógica, intitulada “Sobre vivências intencionais e seus ‘conteúdos’”,14 a qual é o horizonte operativo em que Husserl começa a analisar o problema da consciência e das vivências intencionais, em relação às problemáticas tratadas por ele precedentemente, e a Quinta Meditação cartesiana, intitulada “Determinação do domínio transcendental como ‘intersubjetividade monalológica’”, a qual é a exposição de uma teoria fenomenológica da intersubjetividade.15

Na temática “consciencial”, segundo a qual a consciência deve ser livre de prejuízos matemáticos e científico-naturais e deve estar em condições de unificar todas as esferas culturais e todos os modos de consciência (percepcionar, pensar, recordar, simbolizar, amar, querer…), a obra de Husserl se conecta à tradição neokantiana, como conseqüência do desenvolvimento do positivismo na Alemanha.

O principal alvo da crítica de Husserl é a impostação empirista e psicologista da Lógica e, em geral, da Teoria do Conhecimento.16 A análise fenomenológica da consciência parte do pressuposto de que todas as formas de apriorismo idealista, assim como todas as formas reducionistas de empirismo, já tiveram o seu tempo.

Husserl desenvolveu a temática usando o método fenomenológico-transcendental. Ele realiza uma diferenciação psicológico-descritiva dos vários conceitos de consciência, em perspectiva analítico-essencial,17 fundindo-os uns nos outros, desdobrando os conceitos implicados a fim de delimitar o seu campo específico.

Na “Introdução” à Quinta Investigação, o pai da fenomenologia indica que, muitas vezes, se define consciência como “uma expressão abrangente para atos psíquicos de todo tipo”.18 Definir a essência fenomenológica de tais atos é tarefa relacionada à separação entre fenômenos psíquicos e físicos operada por Descartes no século XVII, delimitação surgida precisamente para circunscrever o domínio psicológico. Assim, definir a essência de ato, na qual se deve distinguir caráter ou qualidade e conteúdo, assume uma centralidade.

Discutiremos, portanto, três conceitos de “consciência” apresentados por Husserl, a partir de vivência (Erlebniss): a) “consciência como unidade fenomenológica real total do eu empírico, enquanto entrelaçamento das vivências psíquicas na unidade da corrente de vivências” (ao qual corresponde uma teoria do fluxo ou dos horizontes temporais — § 2); b) consciência como autoconsciência, “o interno dar-se conta das vivências psíquicas próprias”, ou a “percepção ‘interna’que acompanha as vivências atualmente presentes” (ao qual corresponde uma teoria das fases do ato intencional e de temporalidade — § 5); c) “consciência como vivência intencional” ou ato psíquico, ou melhor, como consciência de objeto (ao qual corresponde uma teoria da intencionalidade — § 9 e seguintes). Noutro texto, Husserl afirmou o seguinte: “é a intencionalidade que caracteriza a consciência no sentido pleno e que, ao mesmo tempo, permite considerar o fluxo da vivência como fluxo consciente e como unidade de uma consciência”.19

Paralelamente, partindo da Quinta Meditação cartesiana, abordaremos a questão da intersubjetividade (“esfera intermonádica”). Analisaremos como Husserl escapa ao solipsismo. Como é que tenho consciência do que eu sou e, ao mesmo tempo, como é que tenho consciência de outro eu? Em síntese, tenho consciência do outro enquanto meu analogon. E tenho consciência do eu por meio de um processo de supressão, de amputação do que pertence à esfera do outro, isto é, das individualidades objetivas (coisas) que me são externas e dos “outros eus”. Por meio de uma abstração metodológica (e não pela “dúvida metodológica” de Descartes), chega-se ao “mundo primordial”.

2. Consciência enquanto unidade real-fenomenológica das vivências do eu

A primeira análise de Husserl tem por objeto a consciência como unidade real-fenomenológica das vivências do eu. Comecemos, então, explicitando o que sejam, segundo Husserl, “vivências”.

Na atitude natural, temos experiências que começam a nível perceptivo. Se isolarmos essencialmente o nosso modo de viver esta experiência, pondo entre parênteses todos os elementos contingentes, ficaremos com o puro percepcionar como ato de vivência, ou melhor, como ato que é possível que todos vivam. Tomar o ato na sua pureza quer dizer examiná-lo em si mesmo como ato vivido, como “elemento integrante de uma unidade de consciência na corrente de consciência fenomenologicamente unitária de um eu empírico”.20 Em outras palavras, é um ato psíquico.21

A vivência perceptiva, tal como outras vivências que podem ser isoladas na análise fenomenológica, por exemplo a vivência rememorativa, a vivência imaginativa e a vivência judicativa, se apresenta como uma vivência caracterizada pela “intencionalidade”, pelo ser consciência de, portanto, pelo estar dirigida intencionalmente a algo, que pode ser imanente (no caso de a coisa à qual estar dirigida ser a própria percepção interna) ou transcendente (no caso de estar dirigida a coisas externas). Significa que a Erlebnis fenomenológica não se refere à relação factual entre um evento psíquico e um objeto, ou seja, à relação “existente” na realidade objetiva, mas sim à sua essência. Portanto, Husserl distingue o conceito de Erlebnis do conceito de “experiência vivida”, onde ocorre comumente um entrelaçamento entre conteúdos objetivo-mundanos e conteúdos psíquicos.

Podemos distinguir duas modalidades de vivências intencionais: as proposicionais e as não-proposicionais. As proposicionais são aquelas em que a palavra algo não se refere propriamente ao objeto, mas a fatos que podem ser expressos por frases do tipo “que isto”. Porém, há casos de vivências intencionais em que o objeto só pode ser expresso por termos singulares, que designam objetos. Por exemplo, amar, admirar. Ora, é uma tese fundamental da fenomenologia que essas formas de consciência não-proposicionais não necessitam da mediação lingüística, pois pressupõem uma relação sujeito-objeto livre de qualquer mediação lingüística.

Para a Psicologia moderna, “vivência” é uma ocorrência real que, mudando de momento para momento, em múltiplas ligações e interpenetrações, faz a unidade real de consciência do respectivo indivíduo psíquico. Neste sentido, são “vivências” as percepções, as representações da fantasia e as representações de imagem, os atos do pensamento conceitual, as suposições e dúvidas, as alegrias e as dores, as esperanças e os temores, os desejos e as volições, e coisas semelhantes. Mas de pouco importa se tais são objeto de percepção “interna” ou não. O que importa é que elas sejam conteúdo real22 da consciência.

No caso de uma percepção, por exemplo, a existência real das “determinidades singulares”, extra mentis, daquilo que é perceptivamente visado não afeta o caráter interno do “vivido”. Aquilo que é percepcionado não é vivido, nem está na consciência. A “vivência” corresponde ao que do aparecente é vivido e não à coisa em sua ipseidade, contribuindo para a tessitura da consciência. Assim, o mundo objetivo externo não faz parte da consciência, mas contribui para a sua construção. Diferentemente de Kant que identifica o aparecente ao fenomênico, Husserl identifica o aparecente ao vivido. Husserl transforma a estrutura diádica kantiana numa estrutura tetrádica, ou seja, o númeno (a coisa em si) e o fenômeno (aquilo que aparece), agora se tornam: o objeto que é visado (dado numa síntese de identificação, um mero produto lógico); o objeto tal como é visado (modos de intenção); o ato de visar; e as vivências. Tal ponderação fica ainda mais evidente quando Husserl afirma que “a vivência não é, ela própria, aquilo que ‘nela’está intencionalmente presente”.23

Como parte do mundo fenomênico, podemos naturalmente aparecer-nos a nós próprios, tornando-nos objeto fenomênico. É uma relação entre duas coisas aparecentes. No entanto, tal conteúdo de consciência não tem absolutamente nada a ver com “a consciência no sentido da unidade dos conteúdos de consciência (a consistência fenomenológica do eu empírico). É uma vivência singular com a complexão das vivências”.24

Até agora se falou das vivências intencionais. Entretanto, como bem observa Ales Bello,25 nem todas as vivências são intencionais. Há também aquelas chamadas por Husserl de “momentos efetivos presentes no fluxo das vivências” que não possuem o caráter da intencionalidade, isto é, de ser consciência de alguma coisa. Se se percepciona uma folha branca, o branco da folha não é consciência de alguma coisa, mesmo se apresentando como latore, isto é, como portador de intencionalidade enquanto conteúdo que presenta o branco da folha.

Tudo o que foi dito até agora sobre as vivências só foi possível graças a uma vivência particular e especificamente humana, a vivência da reflexão, pela qual toda vivência pode se tornar objeto de uma percepção interna e objeto de uma reflexão teorética ou avaliativa. As vivências espelham todas as operações, todas as experiências, toda a constituição do sujeito humano e da realidade natural, mas as conexões de sentido só acontecem entre as próprias vivências: o ser como realidade e o ser como consciência estão correlacionados, mas distintos.

Os diferentes tipos de vivência encontram-se na unidade de uma corrente de vivências, à qual Husserl denomina consciência. A consciência é para Husserl, nesse sentido, um movimento permanente de fenômeno. Tudo encontra seu lugar na unidade dessa corrente que é o “fenômeno originário”. Toda vivência, ultrapassa-se necessariamente a si mesma na direção de outras vivências que constituem, em sua inter-relacionalidade, uma unidade.

Mas de onde vem, então, a “unidade de consciência real”? Tal unidade é dada pelas próprias propriedades fenomênicas unidas, “unidade que se funda na própria consistência do seu conteúdo”.26 Significa dizer que “o eu fenomenológico reduzido não é nada de peculiar que paire sobre as múltiplas vivências, mas é simplesmente idêntico à própria unidade de ligação dessas vivências”. Não carece de um “princípio egológico próprio” como contentor ou recipiente,27 ou um centro no cérebro em direção ao qual todos os sinais convergem dando lugar ao fenômeno da consciência. Dennett28 chama esta última concepção de “Modelo do Teatro Cartesiano” porque remontaria, precisamente, a Descartes. Definitivamente, não existe um lugar central, um “Teatro Cartesiano” para onde “tudo converge” para ser examinado por um observador privilegiado.

Ao mesmo tempo em que se percepciona uma alteração contínua de conteúdos, o eu percepciona uma unidade de coexistência que passa de ponto temporal a ponto temporal; é “unidade de alteração”. Ocorre um “fluxo de consciência” sem a diluição do eu fenomenológico. Em tal fluxo, a consciência exige “constante persistência ou constante alteração de pelo menos um momento, essencial para a unidade do todo”.29

Em suma, a unidade de consciência real provém do tempo “que pertence de modo imanente à forma de apresentação do fluxo de consciência, enquanto unidade que aparece temporalmente”. Modernamente, fala-se acerca da duração do processamento de informações como um elemento central da consciência, com grande ênfase na temporalidade dos processos cognitivos. A consciência não é um recipiente no qual estariam as vivências, mas é percebida como um “fluxo”. “Cada fase atual do fluxo de consciência, portanto nela se apresenta todo um horizonte temporal do fluxo, possui uma forma que abarca todo o seu conteúdo, que permanece continuamente idêntica, enquanto o conteúdo se altera constantemente”.30 Logo, sem alteração, sem fluxo de conteúdo, também não haveria consciência. Sem persistência, também não haveria consciência. Seria como se o eu empírico perde-se a sua identidade, perde-se a sua anima, o seu espírito vivificador.

A expressão “conteúdos” remete justamente a uma “unidade englobante” que os possui. Em sentido comum poderia referir-se a algo que pairasse sobre as múltiplas vivências, como um “princípio egológico” portador de todos os conteúdos, mas não no sentido da psicologia descritiva, para a qual o ponto de referência é o todo, é a “unidade de consciência real”, é a “soma total das ‘vivências’presentes”, que constitui o “eu fenomenológico” ou consciência. “O ‘eu fenomenológico’ […] é simplesmente idêntico à própria unidade de ligação dessas vivências”.31

Como se dá a consciência-de-consciência, isto é, como se dá o estado normal de consciência? Pode-se dizer que, para Husserl, a esfera da atualidade das vivências, considerando que há também Erlebnisse cuja consciência se move do modo atual ao inatual e viceversa. A consciência abraça as Erlebnisse que são atuais, mesmo que a consciência nunca possa consistir de puras atualidades. As atuais estão em contraste com as inatuais por estarem na evidência do cogito — “eu tenho consciência de alguma coisa” -, enquanto as inatuais constituem o halo de consciência de modo que as cogitationes estejam circundadas por inatualidades. Atualidades e inatualidades estão sempre expostas a uma fluidificação consciencial de ascensão e descensão, que se articula constantemente na forma da contínua consciência interna do tempo, no qual cada vivência seguinte mantém o resultado da vivência que a precedeu e acrescenta novo material para a vivência futura. Quando podemos captar uma vivência de modo mais nítido (atual), então, naquele momento, estamos diante de um estado bem definido da consciência. Mas não significa que seja um estado ordinário da consciência. Antes pelo contrário, a tranqüila ordinariedade se torna descontínua. A corrente contínua das vivências se bloqueia. A algo que oferece características homogêneas de duração como a consciência vivida, se opõem estados de consciência tais a ponto de perturbar o fluxo da vida interior do sujeito e que nos permitem captá-lo por meio de uma ressonância entre aquele estado particular e algo dentro de nós ao qual aquele mesmo estado remete.

Segundo outros filósofos e estudiosos do tema, tais como Bernet, Kern e Marbach,32 o fluxo da conciência de que fala Husserl põe em evidência a característica da conciência a imergir-se no tempo, ou seja, a sua capacidade de se encontrar em diferentes dimensões durante o ato cognoscitivo da realidade. O fluxo de conciência não tem, portanto, propriedades espaciais e a sua atividade ocorre na corrente de temporalidade imanente. Segundo Husserl, a conciência, no tempo, segue duas dimensões: uma direção objetiva, ou seja, tem a possibilidade de captar um objeto temporal; e uma subjetiva, como fluxo de conciência, que é continuum personale das experiências vividas. Este continuum da conciência se constitui de uma retenção, de uma atualidade potencial presente e de protensão.

Para Husserl, na retenção os acontecimentos cotidianos são retidos na forma de passado e na protensão o existente humano antecipa os acontecimentos; contudo, esta antecipação é sempre feita a partir do momento presente. Assim, o passado é retido como passado no presente e o futuro é antecipado como futuro, também a partir do presente. Poderíamos dizer que o presente é uma síntese do que é retido e do que é antecipado. Conforme o antecipado passa, é retido como passado. Portanto, é através do tempo que se dá a unificação das vivências que o eu tem do mundo. E é a partir do tempo que se constitui a subjetividade do eu transcendental.33

Em suma, analisando a própria vida de consciência, portanto, o ego capta a si mesmo sob dois aspectos: 1) como corrente ou fluxo das vivências; e 2) como “eu” estável e permanente, pólo idêntico deste fluxo, ao qual todos os momentos de consciência fazem referência.

A partir das considerações de Husserl sobre o fluxo de consciência, sobre a “consciência de” em relação à realidade natural, Searle, já em A redescoberta da mente,34 postulará a hipótese de que também a consciência é uma propriedade biológica do cérebro dos seres humanos, determinada por processos neurobiológicos, ou seja, como parte integrante da ordem biológica, ao invés de restringir-se, como fez Husserl, na relação entre a consciência intencional e o objeto.

Cabe ainda perguntar-se se acima de cada consciência, no fluxo, não reine ainda a consciência última, enquanto intencionalidade última que não pode jamais ser objeto de atenção, ou seja, chegar à consciência.

Se em 1901 a divisão brentaniana de todos os fenômenos em físicos ou psíquicos era considerada por Husserl como uma das mais notáveis e filosoficamente importantes — o que circunscrevia a consciência à realidade “psíquica” — já em 1906 ele protestará contra a idéia oriunda do “pensamento natural” de que todo e qualquer dado ou é físico ou é psíquico. A partir de então, Husserl reconhecerá que “a consciência não é nenhuma vivência psíquica, nenhum entrelaçamento de vivências psíquicas, nenhuma coisa, nenhum anexo (estado, atividade) em um objeto natural”.35 Com a evolução do pensamento husserliano, a idéia da consciência como representação, idéia racionalista, se tornará superada e proscrita.

3. Consciência enquanto autoconsciência ou percepção “interna” das próprias vivências psíquicas

O segundo conceito de consciência apresentado por Husserl nasce da oposição entre a percepção dos objetos e a percepção imanente que a consciência tem de si mesma. Neste sentido, consciência é a “percepção ‘interna’que acompanha as vivências atualmente presentes […] e que lhes deve estar referida enquanto elas são os seus objetos”.36

“Interna” aqui não está em oposição a “externa”, indicando objetos. Neste sentido, as percepções sempre são internas. “Interna” quer apenas indicar o caráter do objeto de percepção, neste caso as próprias vivências. Até porque “nenhum corpo é internamente percepcionável, não porque seja ‘físico’, mas antes porque, por exemplo, a forma espacial tridimensional não é susceptível de ser adequadamente intuída por nenhuma consciência”.37

Uma percepção interna é uma percepção “adequada”: é uma percepção na qual o objeto está presente em ipseidade (em carne e osso); é uma percepção na qual o objeto é captado naquilo que ele mesmo é; é uma percepção na qual o objeto está incluído no próprio percepcionar. Neste sentido, a percepção “adequada” é unicamente a interna, a percepção das próprias vivências, daquilo que é internamente percepcionado.

Aqui, deve-se evitar o equívoco de interpretar a percepção interna como um saber. Se assim fosse, alerta Husserl, incorreríamos na “regressão ao infinito” que decorre do fato de a percepção interna tornar-se novamente uma vivência, que careceria de nova percepção, e assim sucessivamente. Deixa-se tal problema de lado, visto não ser fenomenologicamente verificado.

Em Einleitung in die Psychologie nach kritischer Methode,38 Natorp apresenta uma objeção à idéia de que o eu puro seja o “centro de referência subjetivo” de todos os conteúdos, chamado por Husserl também de consciencialidade. A consciencialidade, segundo o pai da fenomenologia, é a relação que o eu tem com os seus conteúdos. Para Natorp, no entanto, o eu está referido aos conteúdos enquanto estes lhe estão conscientemente dados, mas ele, por sua vez, não está relacionado aos conteúdos da mesma forma, isto é, o eu não está “conscientemente dado” aos conteúdos. Esta relação singular faz do eu puro o “centro de referência subjetivo”. Por isso, segundo ele, não poderíamos descrevê-lo, porque tudo o que dele poderíamos dizer, o diríamos como conteúdo da consciência e o eu puro não pode se tornar conteúdo nem em nada é semelhante a tudo o que, de algum modo, pode ser um conteúdo de consciência. Uma vez que o sujeito se torna objeto, deixa de ser sujeito. Seria como admitir a possibilidade de ser sujeito e objeto contemporaneamente.

Para Husserl, entretanto, o eu centro de referência e a relação do eu com um conteúdo podem ser objeto da consciência, podem ser objetivamente dados à consciência, enquanto expressamente notados. Assim, as vivências podem ser dadas simultaneamente com a consciência: “o eu a si próprio aparece, tem de si próprio consciência e especialmente percepção”.39 O eu se auto-pertence.

Para Sartre, a consciencialidade incide, conseqüentemente, num ser-para-si. Se de um lado a consciência é sempre consciência de alguma coisa (é consciência intencional), do outro lado ela é também autoconsciência, ou seja, consciência de ser consciência de alguma coisa. De acordo com o filósofo francês, a consciência de si mesma é uma condição necessária para que uma consciência cognoscente seja consciência do seu objeto.40 Ela é consciência “para-si”. Entretanto, a consciência de si mesmos nunca é uma consciência de tipo reflexo, ou seja, uma consciência “posicional”,41 mas é uma consciência substancialmente irreflexa, não plenamente consciente. A irreflexividade da autoconsciência é indicada por Sartre com a expressão “consciência- (de) -si”, na qual o “ (de) ” possui a função de exprimir a não posicionalidade da consciência de ser consciência.

4. Consciência intencional

O mundo, objeto de consciência, enquanto a ela correlacionado, não deve ser considerado de modo ingênuo, naturalista, como existente em si, existente fora e independentemente da consciência, mas sim como “fenômeno”, no seu “aparecer” à própria consciência, ou seja, a inegável manifestação do mundo dentro da consciência do homem. Assim, a atitude fenomenológica tem como premissa que “se ponha entre parênteses” a consideração ingênua da existência física dos objetos e dos seus modos físicos de existência, como são “imediatamente” captados. O que acontece com a epoché.^[42] A atitude fenomenológica destaca o aspecto “ativo” da própria consciência, o seu “referir-se” às coisas, o que implica, evidentemente, que a consciência “se divida”, “se duplique”, se torne “consciência observante”, de modo analítico-descritivo, dos atos que ela mesma realiza de modo irreflexo.

A atitude natural pode ser resumida na “tese do mundo”, isto é, na posição da existência de um mundo em si. Para Husserl não é preciso sequer duvidar deste juízo, mas sim “pô-lo entre parênteses”. Portanto, é preciso “suspender o juízo”. Agora, podemos substituir a tentativa cartesiana de uma dúvida universal pela universal epoché. O mundo natural inteiro é posto entre parênteses. Entretanto, fazendo isto eu não nego este mundo, como se fosse um sofista, não o ponho em dúvida, como se fosse um cético, mas exercito a epoché fenomenológica, isto é, eu não assumo o mundo que me é constantemente já dado enquanto ser, como faço, diretamente, na vida prático-natural, mas também nas ciências positivas.

Evidentemente, pondo entre parênteses o mundo, pomos entre parênteses também a nós mesmos, que fazemos parte deste mundo. Então, o que se nos revela ser o nosso “eu”? O sedimento originário, aquilo que permanece do mundo na consciência, depois que se retirou toda reflexão teórica e científica que exceda a visão imediata das coisas é, para Husserl, “puras experiências vividas”; ou, pode-se dizer também, o fluxo das experiências vividas no qual a consciência se relaciona com o mundo.

Mas qual é a estrutura fundamental da relação consciência-mundo? Husserl diz, retomando um conceito de Brentano que, por sua vez, o retomara dos Escolásticos medievais: a “intencionalidade”.

A Escolástica utilizou a palavra intencionalidade para indicar o caráter representativo do objeto imanente em relação ao objeto exterior e, portanto, para designar a consciência como tendo um sentido relativamente a esse objeto. O termo “intenção” (do latim intentio) foi fixado pela primeira vez no texto latino por Avicena e retomado, depois, pelos escolásticos (Alberto Magno, Tomás de Aquino, Duns Scoto e outros). Significa, originariamente, o mesmo que “conceito”, assumindo o sentido de “mental” ou “conceitual”. Portanto, os escolásticos definiram conceito como intentio enquanto nele se exprime um in alium tendere, isto é, uma referência a algo objetivo.

O conceito de intencionalidade foi retomado, posteriormente, por Brentano que o tornou característica distintiva de todos os fenômenos psíquicos, contrapostos àqueles físicos. Intencionalidade significa para Brentano relação ao conteúdo ou direção ao objeto. Assim, todo fenômeno psíquico se distingue por ser uma “consciência de alguma coisa”.

Brentano,42 citado por Husserl nas suas Investigações Lógicas, afirmou:

Todo e qualquer fenómeno psíquico é caracterizado pelo que os escolásticos da Idade Média denominavam como inexistência intencional (ou também mental) de um objecto e que nós, se bem que com expressões não completamente inequívocas, poderíamos denominar como a referência a um conteúdo, a direcção para um objecto (pelo qual não se deve entender uma realidade) ou a objectividade imanente.43

Entretanto, a concepção husserliana da intencionalidade se diferencia daquela brentaniana em diversos pontos. Primeiramente, Husserl não atribui um significado intencional a todos os fenômenos psíquicos e não considera a intencionalidade um elemento real e objetivo para a distinção entre o psíquico e o físico. Nem todas as vivências são intencionais, como já vimos. A intencionalidade é, antes, segundo Husserl, o caráter a priori da essência fenomenológica da consciência, a típica e invariável estrutura da vivência. Se nós nos elevarmos mediante a epoché e a redução fenomenológica à consideração da intencionalidade da vivência, notaremos, em primeiro lugar, que na própria vivência há componentes imanentes, evidentes e imediatos, mas não intencionais: para Husserl são as impressões sensíveis que servem de matéria à intencionalidade, mas que não são, por sua vez, intencionais.^[45]

Em segundo lugar, percebemos que o objeto não é imanente à intencionalidade. Husserl critica a tese brentaniana segundo a qual a intencionalidade contém imanentemente um objeto como representação psíquica do objeto real. Pelo contrário, o objeto é transcendente à intencionalidade e se manifesta na própria intencionalidade somente como componente não-real, isto é, como significado, sentido. Não-real significa ideal; reais são os atos subjetivos, componentes da intencionalidade que se correlacionam à intuição desta idealidade.

Para Brentano, os objetos percepcionados, fantasiados, julgados, desejados, etc. “entram na consciência”, “são recebidos na consciência” ou, inversamente, “a consciência” entra em relação com eles. De tal tese, Husserl aponta duas possíveis más interpretações: 1) que se trataria de uma relação real pertencente ao conteúdo real da vivência; 2) que se trataria de uma relação entre duas coisas encontradas na consciência, de acordo com a expressão escolástica “inexistência intencional”.

A intencionalidade da consciência não significa uma referência real ou um processo real que tenha lugar entre a consciência por um lado e a coisa consciente por outro. Nem tampouco consiste numa relação entre duas coisas que se encontram da mesma maneira, realmente, na consciência, um estado psíquico e um objeto intencional, dois conteúdos da consciência encaixados um no outro. Só uma coisa é presente: a vivência intencional,44 cujo carácter descritivo essencial é precisamente a intenção em questão. Segundo a sua particularização especial, é ela que constitui completa e exclusivamente o representar, o ajuizar, etc., deste objecto. Se esta vivência está presente, então a “relação intencional com um objecto” está eo ipso — tal reside, sublinho, na sua própria essência — consumada, um objecto está eo ipso “intencionalmente presente”, pois uma coisa e outra querem dizer precisamente o mesmo.45

A “inexistência mental ou intencional”, assumida por Brentano no sentido original de “existência in mentis”, deve ser entendida no sentido de existente em intenção, mas não existente naturalmente na mente, em ipseidade (carne e osso). Husserl evidenciou que as vivências intencionais se referem de vários modos a objetos representados, mas o “objeto é nelas ‘visado’, é ‘tido em vista’”.46 Entretanto, não significa que haja duas coisas presentes na vivência: o objeto e a vivência intencional. O que há é a vivência intencional de um objeto, visá-lo é uma vivência, até porque o objeto pode absolutamente não existir extra mentis.47 O significativo aqui é que, do ponto de vista fenomenológico, a existência ou não do objeto não muda a situação: “Para a consciência, o dado é essencialmente idêntico, quer o objeto representado exista, quer seja ficcionado, quer seja mesmo um contra-senso”.48 Em suma, Husserl adota a expressão “objeto intencional” porque, com ela, indica uma forma de representação que é real na vivência sem que tal indique uma existência natural extra mentis dos objetos intencionados. Os objetos intencionais sempre existem na consciência enquanto visados. A consciência pode, portanto, pronunciar-se sobre este ser segundo a maneira como ele se apresenta, elucidando o modo pelo qual ela o visa. Para isto, não tem necessidade de sair de si própria — tarefa contraditória com a qual esbarrava qualquer teoria do conhecimento e que a inclinava quer ao idealismo, quer ao ceticismo — mas somente de proceder ao exame destes modos de intenção.

A consciência se mostra consciência de objetos constituídos no próprio ato cognoscente. Entretanto, apesar da palavra “fenômeno” designar o que aparece, ela é usada preferencialmente para designar o próprio aparecer, isto é, o fenômeno da consciência ou, usando o que Husserl considerava uma “expressão grosseiramente psicológica”, o fenômeno subjetivo. Em virtude deste uso ambíguo, a palavra “fenômeno” favorece a formação de equívocos, pois o próprio aparecer torna-se objeto de investigação, ou seja, o próprio sujeito do conhecimento é investigado na sua estrutura comportamental, em virtude da correlação essencial entre o seu aparecer e o que aparece. Trata-se, no caso, de uma relação interdependente entre o aparecer e o que aparece, entre o sujeito do conhecimento e o mundo conhecido, entre a consciência que conhece e o mundo ou objeto que aparece ou se mostra cognoscível. Portanto, não existe uma consciência em si, um ser em si, pois a consciência só se apreende como “relação”, isto é, ela existe enquanto relação de eventos vivos e concatenados: a consciência é sempre consciência de um ser-no-mundo, portanto, um “existencial concreto”.

De modo algum devemos compreender tratar-se de uma espécie de consciência em si. A consciência é apenas consciência humana, isto é, um modo de ser-no-mundo, portanto, um existir fenomenal. Por outro lado, a consciência consiste justamente em ser aquilo que transcende e, como tal, não deve ser confundida com os entes em estado natural. A consciência, no caso, não é mais aquela figura associada ao “sujeito transcendental” de Kant, e sim muito mais o próprio ser-do-homem-no-mundo, o que descortina uma perspectiva completamente “nova” para a filosofia transcendental.

Dizer que a consciência é essencialmente intencional significa afirmar que ela remete a algo diferente de si, que tende sempre em direção a um conteúdo que, de alguma forma, é o seu oposto. O ato de consciência, portanto, não é pensável e analisável senão em relação com o objeto, e o próprio objeto não é pensável e analisável senão em relação com o sujeito, com a consciência.

Gnosiologicamente, o estudo da consciência se dá em duas direções interconectadas: a primeira se refere aos modos do cogitatum, ou seja do objeto intencional, ao qual Husserl chama também noema, por exemplo “o percebido”, “o recordado”, “o imaginado”, etc. (descrição noemática); a segunda é dirigida aos modos de ser do próprio cogito, ou seja da noese, por exemplo “o perceber”, “o recordar”, “o imaginar”, etc. (descrição noética). A descrição noética, ou seja, dos modos de consciência, mostra que a forma originária da consciência é a “síntese”, a qual representa uma coesão inseparável que unifica os momentos conscienciais uns aos outros, através do ato fundamental da “identificação”. A síntese se articula constantemente na forma da contínua consciência interna do tempo, no qual cada vivência seguinte mantém o resultado da vivência que a precedeu e acrescenta novo material para a vivência futura. Toda a vida subjetiva se insere numa dimensão “temporal” mais ampla, em conformidade à qual as estruturas conscienciais se constituem num processo continuamente fluente.

Partindo de uma determinada concepção da consciência, Husserl pretendeu liberar a filosofia de todas aquelas tendências — empirismo, positivismo, subjetivismo, psicologismo — que põem as bases do conhecimento na relação de um eu com a realidade externa e transcendente da natureza. O ponto de vista intencional considera um absurdo o pressuposto teórico de que o eu e o mundo objetivo devam entrar em relação no ato cognoscitivo, subsistindo já como eu e como realidade objetiva antes de entrar nesta relação.

Para Husserl, o objeto intencional implica os atos constitutivos da consciência que conferem o sentido, mas não é dissolvido na realidade absoluta do sujeito. O objeto é simplesmente aquilo que tem um sentido em virtude da atividade constitutiva do eu, ou seja, um noema em relação à noese, isto é, um conjunto de atos da consciência, a qual, em virtude da estrutura e da forma dos seus atos, condiciona a estrutura e a maneira na qual o correlato da consciência é dado.

Também não devemos supor que a consciência exista como substância, possuindo, entre outros atributos, a intencionalidade que lhe permitiria entrar em contato com uma outra realidade a seu lado. A consciência consiste na intencionalidade. A substância desta é o seu transcender-se, o seu referir-se a… Com tal, Husserl pode demonstrar que o sujeito não é uma coisa que exista primeiro e em seguida se reporte ao objeto. A relação sujeito-objeto constitui o fenômeno verdadeiramente primeiro e é nele que os chamados objetos se dão. A essência mesma da consciência é visar outra coisa diferente dela; nisso reside a sua vida própria. A concepção husserliana põe no coração do ser da consciência o contato com o mundo. Na Quinta Investigação Husserl assevera que a substancialidade da consciência é a intencionalidade. Por isso opõe-se à idéia do eu como substância da consciência, no receio de se poder interpretar a intencionalidade como um acidente desse eu substância.49

Afastadas as controvérsias, Husserl abandonará definitivamente a expressão “fenômeno psíquico” e assumirá a expressão “vivência intencional”, ou simplesmente “ato”. Por “ato” não se entenda a idéia de atividade, mas um modo específico de algo ser, dependendo do modo como se repara nele. Ou seja, diferentes modos implicam diferentes atos. Por outro lado, diversos atos podem percepcionar o mesmo e, no entanto, sentir coisas totalmente diferentes. O ser de algo é a consciência que tenho dele, o que significa que o conteúdo sentido é diferente do ser do objeto percepcionado. Nesse sentido, a minha consciência é constitutiva. A consciência que tenho do objeto é a apreensão que tenho dele. Por fim, a apreensão não se reduz a um afluxo de novas sensações; depende das disposições sedimentadas das vivências anteriores.

Portanto, a consciência não é algo em si, estático. É, antes, algo dinâmico, que avança à medida que vai incorporando novas apreensões. Contemporaneamente, é algo que permanece, no próprio fluxo de sedimentação das vivências anteriores. Significa dizer que, mesmo se diferentes atos percepcionarem o mesmo, no entanto, poderão sentir coisas diferentes. Assim, fica definitivamente evidenciado que uma coisa é a consciência de algo e outra é o objeto natural real; uma coisa é a vivência intencional que se tem de algo e outra é o objeto em si.

Mas disso decorre outra dificuldade: que está na base da consciência de identidade (ato que consiste na designação de identidade) que tenho de um objeto percepcionado, mesmo tomado em diferentes apreensões? Para contornar a dificuldade, Husserl introduz a distinção entre “conteúdo de percepção”, sensações apresentadoras, e intenção apreensora. O conteúdo provém das sensações que apresentam o objeto percepcionado e a intenção, em visando algo, atribui identidade ao objeto percepcionado.

E a modificação, em que consiste? Consiste, segundo Husserl, nos “caracteres intencionais” da vivência respectiva. Afirma ele: “Suponhamos, por exemplo, que certas figuras ou arabescos atuaram sobre nós, de início, de um modo puramente estético e que, subitamente, faz-se luz e compreendemos que pode tratar-se de símbolos ou de signos verbais”.50 O que mudou? Mudaram simplesmente os caracteres intencionais segundo os quais um determinado conteúdo foi apreendido. Para a fenomenologia, a diferença é devida ao caráter descritivo e não a supostas estruturas transcendentais ocultas, ou a processos fisiológicos. Dessa forma, Husserl parece tanto se distanciar da tradição kantiana, quanto refutar o psicologismo. Para o fenomenólogo, a modificação não reside na sensação, muito menos no objeto; a modificação reside, sim, na apercepção, na vivência das sensações.

Husserl também ressalta a função desempenhada pela atenção como fator de destaque de caracteres de ato influenciando, assim, essencialmente a estrutura fenomenológica dos atos compostos. A atenção é uma função distintiva, que pertence aos atos no sentido de vivências intencionais. Os objetos de atenção são objetos de percepção, de recordação, de expectativa ou também estados-de-coisas de uma ponderação científica, etc… Considerando que percepção é “um ato em que o conteúdo se torna objeto para nós”, é objeto intencional aquilo de que, em cada caso, estamos ou podemos estar conscientes. Também deduz-se que só se pode falar de atenção quando “temos na consciência” aquilo ao qual estamos atentos, pois não é notado aquilo que não é “conteúdo de consciência”.51

Ao que parece, a relação intencional é suficiente para delimitar os “fenômenos psíquicos”, mas no caso dos sentimentos deve-se distinguir as “sensações de sentimento”, que são conteúdos apresentantes ou objetos de intenções, dos sentimentos, que são vivências intencionais. As primeiras são fenômenos físicos e apresentam objetos; os segundos são fenômenos psíquicos e têm uma relação com uma representação.

Se, entretanto, investigarmos a consciência do ponto de vista da noese, ou seja, dos atos de consciência, devemos considerar uma distinção fenomenológica fundamental, a de que estes contêm partes distinguíveis: conteúdo real e conteúdo intencional. Por “conteúdo real fenomenológico de um ato”, Husserl entende “a totalidade englobante das suas partes, […] a totalidade englobante das vivências parciais de que ele é realmente constituído” (a análise desta dimensão cabe à psicologia descritiva). É o conceito mais geral de conteúdo, válido em todos os domínios. De “conteúdo intencional”,52 Husserl distingue, na peculiaridade das vivências intencionais, três aspectos: 1) “objeto intencional do ato”; 2) “matéria intencional” (em oposição à sua qualidade) e; 3) "essência intencional.53

Em relação ao conteúdo intencional, entendido como objeto intencional, deve-se primeiramente distinguir “o objeto, tal como é intencionado, e pura e simplesmente o objeto, que é intencionado”. Ou seja, um mesmo objeto pode ser intencionado de diversos modos. Husserl usa como exemplo o Imperador da Alemanha. Aqui, o objeto é intencionado enquanto imperador e precisamente o da Alemanha. Mas o mesmo é o filho do Imperador Frederico III, o neto da Rainha Vitória, etc. Um é o objeto intencionado, mas diversas são as intenções.54

Em relação ao conteúdo intencional, entendido como matéria intencional do ato, deve-se distingui-la da qualidade de um ato. Por qualidade, Husserl entende aquilo que “caracteriza o ato, por exemplo, como representação ou juízo”, “determina apenas se aquilo de que, de um modo determinado, já ‘fazemos uma representação’, está intencionalmente presente enquanto desejado, questionado, judicativamente posto, e coisas semelhantes”.55 Já por matéria, o pai da fenomenologia entende aquilo que ao ato “confere a direção determinada para algo objetivo, que faz, portanto, por exemplo, com que a representação represente precisamente isto e nada diferente”; “confere a direção para precisamente este objeto e nenhum outro”.56 A matéria determina o objeto que o ato visa, mas também o modo como ele o visa, ou seja, o “enquanto que ele o apreende”.57

O conteúdo como matéria é uma componente da vivência — ato que esta última pode ter em comum com atos de qualidade completamente diferente; a matéria não se limita a fazer com que o ato apreenda a objetualidade, mas determina de que modo ele a apreende. A matéria é aquilo que distingue um juízo de um outro juízo, é “aquilo que confere ao ato a sua referência determinada ao objeto”.

Por fim, por essência intencional do ato entenda-se a unidade de matéria e qualidade do ato, que, entretanto, constitui apenas uma parte do ato completo. A essência intencional é a identidade do ato. Mas diga-se que ter a mesma representação, representar o mesmo objeto, não significa identidade individual dos atos.58 “Duas representações são, na essência, a mesma quando, com base em cada uma delas, considerando cada uma puramente por si própria, se pode asserir sobre a coisa representada precisamente o mesmo e nada mais”.59 A identidade, portanto, reside na significação idêntica.

Os atos podem ser simples ou compostos, fundantes ou fundados. Atos simples têm uma relação intencional particular, cada um tem o seu objeto unitário e o seu modo de se lhe referir. Mas os atos simples podem se combinar num ato global tornando-se, assim, parciais. O ato global ou composto não é um encadeamento de outros atos parciais, mas um tipo tal que a intencionalidade total é precisamente uma intencionalidade total na qual se incorporam as intenções dos atos parciais. Os atos parciais (juízo, suposição, dúvida, questão, desejo, atos da vontade, etc…) podem se combinar de múltiplas formas para constituírem um ato global. Na combinação, fundante sempre será o ato que determina o conteúdo do ato fundado. Por exemplo, a partir da verificação de um estado-de-coisas, pode sobrevir uma alegria. Nesse sentido, o juízo acerca de um estado-de-coisas é ato fundante da alegria acerca do estado-de-coisas.60

5. O Ego e a experiência de outro61

As Meditações cartesianas, editadas em 1931 em língua francesa e só em 1950 em alemão, são uma reelaboração dos Discursos parisienses, ou seja, das conferências que Husserl realizou em Paris em 1929. Nas cinco meditações, Husserl retoma a pretensão cartesiana, manifestada por Descartes na sua obra Meditationes de prima philosophia (1641), de elaborar uma nova ciência universal dotada de fundamento absoluto, ou seja, imune a qualquer objeção de caráter cético. A nova ciência deverá fundar-se na evidência, isto é, na experiência direta do ente, daquilo que existe. Esta evidência é representada pelo ego puro ou transcendental, cuja descoberta é o fruto da reviravolta subjetiva iniciada pela obra cartesiana.

Husserl reafirma que a epoché não modifica em nada a intencionalidade da consciência. O dado originário e indubitável permanece sendo o fato de que o objeto está presente à consciência e não é uma parte sua. E visto que tudo o que é dado é dado à consciência, este é constituído no seu ser pela consciência que se torna, porém, enquanto pura, a única realidade originária, enquanto o mundo depende dela geneticamente como produto da sua constituição (não construção) a partir dos atos da sua intencionalidade. Assim, o pai da fenomenologia postula um Idealismo Transcendental62 enquanto defende a anterioridade e a originariedade da consciência. A auto-evidência se mantém independentemente da experiência do mundo, que é apenas uma possibilidade. Entretanto, também acaba expondo-se ao “solipsismo transcendental”,63 ou seja, à impossibilidade de conceber algo verdadeiro existente fora do próprio sujeito. A objeção, segundo Ricœur, é o resultado lógico da redução realizada na quarta meditação: tudo é incorporado à via intencional do ego concreto; o sentido do mundo acaba sendo unicamente a explicitação do ego, a exegese da sua vida concreta. O monadismo absorve toda a alteridade em mim mesmo: “… todo sentido nasce dentro de (in) e a partir de (aus) mim”.64

Husserl só sairá do solipsismo elaborando o importante conceito de alter ego, ou seja, de um segundo ego que, mesmo remetendo ao sujeito no que se refere ao seu sentido, acaba tendo uma existência objetiva no mundo real. Portanto, a partir do ego mônada se desenvolve a possibilidade de pensar e conhecer os outros sujeitos, os quais vão, enfim, formar a “comunidade intermonádica”, a partir da qual resultará o mundo objetivo. A experiência de um mundo é obra de um ego inserido na consciência de uma comunidade de sujeitos em consciência recíproca da harmonia dos seus fluxos de experiência. Ele busca, assim, numa filosofia da intersubjetividade, o fundamento superior da objetividade que Descartes encontrou na veracidade divina.

Na quinta das suas Meditações Cartesianas, Husserl aborda o problema da experiência do outro como objeção ao solipsismo e, assim, apresenta uma teoria transcendental da experiência do outro. Pensamos que, ao fazer tal, o Autor também apresenta, conseqüentemente, uma teoria transcendental do mundo objetivo e uma teoria transcendental do eu primordial, pois não tem sentido falar de um ego destituído da experiência de um alter ego e de um mundo natural como estrato subjacente. Vale entretanto lembrar, como observa Pedro M. S. Alves, que o intento da Fenomenologia não é indicar provas da existência de um outro sujeito, ou do mundo em geral, mas “explicitar o sentido dos actos intencionais em que um outro sujeito é visado e posto como existente”.65

Pela epoché fenomenológica, reduzo-me aos meus “estados de consciência puros”. No entanto, os “outros” não são simples representações em mim. Abstraindo do problema dos “cérebros numa cuba” de Hilary Putnam,66 também exemplificado na série de filmes Matrix, os “outros” estão para além de mim. Como é possível, então, estabelecer uma relação entre os estados de consciência e o que está para além deles?

Husserl afirma que “sobre o fundo do nosso eu transcendental se afirma e se manifesta o alter ego”.67 Contudo, como o propõe Alves: “Como é possível uma doutrina da constituição do alter ego como um ser para si, se constituir significa reenviar esse ‘para si’ ao para mim da minha experiência?”68 Logo, à pergunta como o sentido do alter ego se forma em mim, dever-se-ia contrapor esta outra: como o sentido do ego se forma em mim a partir do sentido do alter ego? Nossa tese é de que perceber a si mesmo como um ego é indissociável de perceber um alter ego. Se é verdade, como afirma Ricœur, que o outro é apenas um sentido logicamente secundário, porque constituído em mim e a partir de mim, também é logicamente verdade que não posso dissociar o sentido de ego do sentido de alter ego.69 Invertendo a interpretação sartreana assuntada por Alves,70 poderíamos dizer que o problema da autoconsciência deve ser formulado e tratado no horizonte do problema da alteridade.

O outro é percebido como correlativo do meu cogito. É percebido como regendo psiquicamente o corpo fisiológico que lhe pertence, como sujeito para o mundo “no” qual está, e, por isso mesmo, como alguém “que tem experiência de mim como eu tenho a experiência do mundo e, nele, dos ”outros“.71 Logo, da mesma forma como a consciência, em intencionalidade, é constitutiva de. . ., a consciência do outro (pressuposta como análoga à minha) é-me constituinte. Não me constitui, pois equivaleria a afirmar que me constitui nele, mas sim é-me constituinte, pois me constitui em mim mesmo. Assim, é preciso analisar e descrever as estruturas intencionais nas quais a existência dos outros ”se constitui“ para mim no conteúdo que ”preenche“ as suas intenções e eu mesmo me constituo no espaço de tal ”preenchimento".

O que é meu? Pertence-me, primeiramente, o meu ser concreto na qualidade de “mônada”. A seguir, a esfera da intencionalidade. Nela, segundo Husserl, tenho experiência do outro numa operação de transposição por analogia. Por outro lado, a experiência do outro é acaba sendo uma oportunidade para a consciência de mim mesmo. Ao contrário da tese husserliana, a intuição fundamental de Sartre é de que o outro é mediador para a minha própria autoconsciência. Adquiro consciência de mim mesmo por meio da consciência de meu devir-objeto para outrem.72

Se realizarmos a redução de tudo o que é “estranho” ao eu, permaneceremos na esfera de pertença do “eu próprio”, àquilo que me é próprio como resíduo de uma epoché que retire do “mundo” tudo o que me é estranho. O “resíduo” de tal abstração é a “natureza que me pertence”. Primeiramente, o meu corpo orgânico (Leib), que se distingue dos demais corpos precisamente por ser orgânico, por ser “o único corpo de que eu disponho de uma maneira imediata assim como de cada um dos seus órgãos”.73 A seguir, pela atividade perceptiva, tenho (ou posso ter) “a experiência de qualquer ‘natureza’”, inclusive do meu próprio corpo. O “resíduo” é, segundo Husserl, “um eu psico-físico com corpo, alma e eu pessoal, integrado nesta natureza graças ao seu corpo”.74 Assim, Husserl pretende superar o dualismo: a esfera de pertença é uma “unidade psico-física”, mas que se percebe em dualidade de corpo (orgânico) e alma (consciência).

Entretanto, o mundo, existente para mim enquanto objeto das minhas “intenções”, é inerente ao meu ser psíquico. O mundo das entidades objetivas em geral, e inclusive o meu corpo enquanto me percebo a mim próprio como um ser do mundo, é inerente à minha consciência como objeto das intenções do ego transcendental.

A esfera de pertença ou ego é, antes mesmo de qualquer determinação, percebida como um “horizonte”. Sem me objetivar, dou-me conta de sempre ter estado aí numa intuição original. No dizer de Husserl: “Sou-me presente com um horizonte aberto e infinito das propriedades internas ainda não-descobertas”.75 Sou-me “antecipadamente presente”. Portanto, pode-se dizer que a consciência é a própria apercepção da presencialidade. É auto-presencialidade e auto-pertença, antes de qualquer explicitação e determinação.

A explicitação da percepção de si próprio, do meu ego concreto, se dá “sob a forma de uma infinidade aberta da corrente da consciência, infinidade de todas as minhas propriedades”:76 em primeiro lugar, das propriedades atuais (percepção daquilo que se efetua no presente); em segundo, das propriedades possíveis (futuro); o passado é descortinado apenas na recordação. Esta explicitação da corrente de consciência (presente e, a partir dele, futuro e passado) faz parte da evidência apodítica de como eu me percebo a mim mesmo transcendentalmente. Isto significa duas coisas: 1) o que “eu sou” estende-se na explicitação da corrente da consciência temporal; 2) a consciência é a explicitação da temporalidade.

No parágrafo 48, Husserl declara que se pode estabelecer uma distinção entre “os modos de consciência que me pertencem” e “os modos da minha consciência de mim próprio”,77 a partir da oposição que se pode realizar entre o ser que me é próprio e qualquer outra coisa.

O ego próprio, o Si aí implicado, constituído no interior da esfera da minha pertença primordial, surge como unidade psico-física, como um eu pessoa, mas também como um “sujeito de uma vida intencional concreta, sujeito de uma esfera psíquica que se refere a ela própria e ao ‘mundo’”.78 A consciência, neste sentido, é a esfera psíquica auto-referida, mas também referida ao “mundo” apercebido como alter, como estranho. O “mundo” e o “outro” integram-me enquanto os percebo num “acoplamento original”, mas em nenhum momento o eu psico-físico primordial se confunde, quer me viro “ativamente” para mim ou não. O “outro” aparece fenomenologicamente como uma alteração, uma modificação do “meu” eu; entretanto, o “eu” só adquire a característica de ser “meu” graças ao acoplamento que os opõe. Numa palavra, a consciência é “minha” por se opor ao “outro”.79 Assim, cada compreensão de outrem que efetuo cria novas possibilidades de compreensão e, dialeticamente, cada compreensão efetuada desvenda a nossa própria vivência psíquica na sua semelhança e na sua diversidade. Poder-se-ia mesmo dizer que as potencialidades do eu se concretizam em acoplamentos e que estes, por sua vez, tornam possíveis novas potencialidades.80

Considerando que o meu ego só pode ser um ego que possui experiências do mundo se estiver em relação com outros ego, seus semelhantes, se for membro de uma sociedade de mônadas, os atos intencionais só são possíveis numa comunidade intermonádica.81 Trago em mim estruturas que implicam a co-existência de outras mônadas.82

Ao explicitar o que me é próprio, aquilo que me pertence, acabo compreendendo no “próprio” o “não-próprio”. Por analogia, o “não-próprio” adquire o seu sentido. Ainda que permaneça como verdadeiro que tudo o que existe para mim só pode extrair o seu sentido existencial de mim, o solipsismo é dissipado.83

A consciência de mim próprio só é possível graças a esta “comunhão espiritual com o ser”.84 É a penetração intencional de outrem na minha esfera primordial. A existência de uma mônada constituída em mim como estranha estabelecendo uma comunidade em mim, mônada primordial, a partir da qual o mundo objetivo é estabelecido.


  1. Cf. Sperling, A. P.; Martin, K. Introdução à psicologia. São Paulo: Cengage Learning, 2003. ↩︎

  2. Cf. Ibidem↩︎

  3. Cf. Bruner, J. Atos de Significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. ↩︎

  4. Jackendoff, R. Consciousness and the computational mind. Cambridge, MA: MIT Press, 1987. ↩︎

  5. Calvin, W.H. The cerebral symphony. New York: Bantam Books, 1990. ↩︎

  6. Dennett, D. Consciousness explained. Boston: Little; Brown, 1991. ↩︎

  7. Flanagan, O. Consciousness reconsidered. Cambridge, MA: MIT Press, 1992. ↩︎

  8. David Chalmers chama a este de “o problema difícil” [hard problem: “Why is all this processing accompanied by an experienced inner life?” (1996, p. xii)] desqualificando as tentativas de explicação funcional (easy problems). The conscious mind. New York: Oxford University Press, 1996. ↩︎

  9. As alternativas mais freqüentes frente a tais dificuldades são essencialmente duas: 1) tendência a diminuir a importância dos fenômenos conscientes no interior do processo de adaptação do organismo ao ambiente, que chega em certos casos a considerar a consciência como um mero epifenômeno, sem qualquer função na determinação e no controle do comportamento; 2) uso da noção de “emergência”, segundo a quela níveis muito elevados de complexidade estrutural ou funcional dariam origem a características e capacidades totalmente novas, não previsíveis e não explicáveis com base em leis válidas nos níveis inferiores. ↩︎

  10. Segundo Plínio Junqueira Smith, em Do começo da filosofia e outros ensaios, São Paulo: Discurso, 2005, não somente não chegamos à verdade, como também não nos aproximamos dela. Tal se deve às dificuldades inerentes ao assunto. “[…] talvez não seja exagero dizer que não somente existe uma falta de consenso, quanto de uma perspectiva de consenso”. (p. 288). Smith considera que a raiz desta situação de conflito é a aceitação por parte dos participantes no debate de certas dicotomias tais como mente-corpo e primeira (conhecimento dos próprios estados mentais) e terceira pessoa (conhecimento dos estados mentais dos outros). Tal distinção, segundo ele, não reflete a realidade humana, é arbitrário e improcedente. A solução por ele proposta começaria por um profundo questionamento acerca dos próprios termos do debate. ↩︎

  11. Cf. Roger Penrose, Shadows of the mind: a search for the missing science of consciousness. Oxford: Oxford University Press, 1994. Nesta obra, o autor afirma que as leis físicas atualmente disponíveis são insuficientes para explicar certas características e propriedades da mente humana. ↩︎

  12. Cf. Waldomiro José da Silva Filho, Ceticismo e filosofia cética da mente, Sképsis — Revista de Filosofia, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 142-148, 2007, p.145. ↩︎

  13. Segundo Chalmers, deve-se ampliar o conceito de mundo natural para tornar possível uma teoria naturalista da consciência. The conscious mind. New York: Oxford University Press, 1996. ↩︎

  14. Husserl, E. Investigações lógicas. Segundo volume, Parte I: Investigações para a Fenomenologia e a Teoria do Conhecimento. De acordo com o texto de Husserliana XIX/1, editado por Úrsula Panzer. Trad. de Pedro M. S. Alves e Carlos Aurélio Morujão. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2007. Doravante Hua XIX/1: Logische Untersuchungen. Ergänzungsband. Erster Teil. Entwürfe zur Umarbeitung der VI. Untersuchung und zur Vorrede für die Neuafulage der Logischen Untersuchungen (Sommer 1913). Hrsg. von Ullrich Melle. 2002, liv + 442 pp. A indicação das páginas segue a Husserliana. ↩︎

  15. Husserl, E. Meditações cartesianas. Quinta. 2.ed. Porto: Rés, [1986?]. p. 115-198. De acordo com o texto de Husserliana I: Cartesianische Meditationen und Pariser Vorträge. Hrsg. und eingeleitet von Stephan Strasser. Nachdruck der 2. verb. Auflage. 1991. xxii + 260 pp. Doravante apenas MC. ↩︎

  16. O psicologismo em geral considera os pensamentos como meros “eventos mentais” e, conseqüentemente, como o biologismo, interpreta a lógica como um ramo da psicologia. Disto deriva que a impossibilidade de admitir proposições contraditórias não deriva da validade em si do princípio de não contradição, mas sim de um dado de fato: a nossa mente é feita de um modo que a impede de pensar contraditoriamente. Se nós temos uma certa concepção do mundo, uma certa lógica e, portanto, uma certa idéia de razão, isto depende da nossa constituição psíquica, que poderia ser diferente e, em tal caso, nos faria viver num outro mundo. O psicologismo é considerado por Husserl uma variante do naturalismo, afim ao biologismo, que interpreta as leis lógicas como leis do funcionamento do cérebro. Com base nisso se poderia argumentar que a lógica aristotélica deriva de uma certa estrutura do cérebro e que com a mudança da massa cerebral, por conseqüência dos processos evolutivos, mudaria também a nossa lógica. Cf. Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2008. Disponível em: <URL: http://www.infopedia.pt/psicologismo&gt;. Data de acesso: 03Abr.08. ↩︎

  17. Atualmente a expressão “filosofia da mente” é utilizada em contexto anglo-americano para designar importantes estudos analíticos interdisciplinares sobre as operações mentais que se distanciam da perspectiva analítico-essencial de Husserl. Para exemplificar, basta olhar para o “naturalismo biológico” de John R. Searle, para o “funcionalismo computacional” do “primeiro” Hilary Putnam, ou ainda para o funcionalismo da nova geração, batizado por Daniel Dennett justamente de “heterofenomenológico”. Dennett, Daniel C. Sweet Dreams: Philosophical Obstacles to a Science of Consciousness. Cambridge, MA, USA: The MIT Press, 2005. 199p. Tais “ilusões” são, para Dennett, a identidade individual (via individuationis) e a capacidade introspectiva da consciência, às quais ele contrapõe a estrutura “real” do sistema cerebral e a negação dos conteúdos conscientes. Este ponto de vista naturalista ou “heterofenomenológico” seria o único em condições de definir a consciência sem recorrer às “extravagâncias” da metafísica. Neste horizonte, a filosofia da mente resulta entrelaçada com a psicologia e limítrofe com uma gama de outras disciplinas tais como a neurobiologia, as ciências cognitivas, a inteligência artificial, a lingüística, a teoria da ação, a pragmática, a teoria da identidade subjetiva. Justamente a estreita conexão com as ciências cognitivas deu o impulso inicial à reflexão sobre o “primado da intencionalidade” da mente, considerada originária em relação à linguagem e à questão do significado. ↩︎

  18. Hua XIX/1, V, Introdução, p. 353. ↩︎

  19. Husserl. Ideen I, § 84, p. 203. Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie. Erstes Buch: Allgemeine Einführung in die reine Phänomenologie. In zwei Bänder. 1. Halbband: Text der 1.-3. Auflage; 2. Halbband: Ergänzende Texte (1912-1929). Neu hrsg. von Karl Schuhmann. Nachdruck. 1976. lvii + 706 pp. Idéias I não constitui obra de estudo. Esta citação foi retirada da obra de Júlio Fragata, A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia, Braga: Livraria Cruz, 1983. ↩︎

  20. Hua XIX/1, V, § 4, p. 364. ↩︎

  21. Atos psíquicos são “atividades da consciência”, “relação da consciência com um conteúdo (objeto)”. Envolve, portanto, uma fenomenologia das representações, pois, como Husserl afirma, partindo de Brentano, “cada ato ou é uma representação ou tem representações por base”. (Hua XIX/1, V, Introdução, p. 354). ↩︎

  22. Real (as coisas, os objetos) opõe-se a ideal;(objetos pensados, matemáticos, por exemplo) ao passo que reell (atos ingredientes da intencionalidade) opõe-se a ideell (objetos visados, que estão na mente enquanto visados, mas não realmente). ↩︎

  23. Cf. Hua XIX/1, V, § 2, p. 360. É bom registrar que o postulado kantiano da “coisa em si” (númeno) quer significar uma realidade independente do sujeito cognoscente. A Teoria do Conhecimento denomina esta concepção de “realismo ontológico”. A fenomenologia, sob pena de filiar-se ao Idealismo (conceber a realidade como fruto do pensamento) ou ao Solipsismo (concebe que a única coisa existente no mundo é o eu), não pode negar este realismo, como o fazem outros filósofos (p. e., Thomas Kuhn, o qual, no posfácio de sua obra A estrutura das revoluções científicas (Trad. de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira, São Paulo: Perspectiva, 2001), rejeita textualmente a categoria ontológica “mundo em si”). Não se pode acusar a fenomenologia de “irrealismo ontológico”, pois passa à margem da categoria kantiana. Husserl não nega a relação do fenômeno com o mundo exterior, mas prescinde desta relação, suspendendo o juízo em relação a ele para chegar ao fenômeno puro. Decididamente, a fenomenologia não é fenomenismo, no sentido de que tudo o que existe se reduza a um fenômeno da consciência. ↩︎

  24. Ibidem, p. 360. ↩︎

  25. Ales Bello, A. Husserl interprete di Kant. Dialeghestai. Rivista telematica di filosofia. Roma, Ano 7, jul. 2005. Disponível em: https://mondodomani.org/dialegesthai/angela-ales-bello-02 Acessado em: 07maio2008. ↩︎

  26. Hua XIX/1, V, § 3, p. 362. ↩︎

  27. Hua XIX/1, V, § 4, p. 364. ↩︎

  28. Cf. Dennett, D. Consciousness explained. Boston: Little, 1991. ↩︎

  29. Hua XIX/1, V, § 6, p. 369. ↩︎

  30. Hua XIX/1, V, § 6, p. 369. ↩︎

  31. Hua XIX/1, V, § 4, p. 364. ↩︎

  32. Bernet, R.; Kern, I.; Marbach, E.. Edmund Husserl. Bologna: Il Mulino, 1989. ↩︎

  33. Husserl, E. Lições para uma fenomenologia da consciência íntima do tempo. Trad. e notas de Pedro M. S. Alves. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1994. Cf. Belibio, E. A Fenomenologia do tempo em Heidegger e Husserl. Analecta, Guarapuava, vol. 6, n. 2, p. 77-83, jul./dez. 2005. Disponível em: http://www.unicentro.br/editora/revistas/analecta/v6n2/06%20Artigo.pdf. Acessado em: 13Maio2008. ↩︎

  34. John Searle, The rediscovery of the mind. Cambridge, MA: The MIT Press, 1992. (Trad. port.: A redescoberta da mente. Trad. Ana André; Rev. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. 304p). ↩︎

  35. Husserl, Manuscrito A I 36, p. 193 a (1920). Apud Moura, C. A. de. Husserl: significação e fenómeno. doispontos, Curitiba, vol. 3, n. 1, p.37-61, abril 2006, p. 45. ↩︎

  36. Hua XIX/1, V, § 5, p. 365. ↩︎

  37. Hua XIX/1, V, § 7, p. 370. ↩︎

  38. Einleitung in die Psychologie nach kritischer Methode (“Introdução à psicologia segundo o método crítico”), obra de Paul Natorp, à qual Husserl se refere, publicada em Friburgo, em 1888. ↩︎

  39. Hua XIX/1, V, § 8, p. 372-375. ↩︎

  40. Cf. Sartre, J. P. L’être et le néant. 41.ed. Paris: Gallimard, 1953. 722p. ↩︎

  41. Eu tenho consciência “posicional” de alguma coisa quando tenho plena consciência do que tenho consciência. Em tal sentido, é posicional a consciência que eu tenho dos entes externos a mim (por exemplo, tenho uma consciência posicional da mesa que estou vendo agora). De mim mesmo, como cogito, tenho pelo contrário uma consciência imediata, irreflexa. ↩︎

  42. Ver a obra de F. Brentano, Psicologia sob o ponto de vista empírico, trad. espanhola, Madrid: Revista Ocidente. ↩︎

  43. Hua XIX/1, V, § 10, p. 380. ↩︎

  44. Cf. Hua XIX/1, V, § 11, p. 385. ↩︎

  45. Cf. Hua XIX/1, V, § 11, p. 386. ↩︎

  46. Cf. Ibidem, p. 386. ↩︎

  47. Como exemplo pode-se tomar a própria ilustração realizada por Husserl a partir do deus Júpiter. Se me represento Júpiter, o objeto representado tem “inexistência mental”. Significa que tenho uma certa vivência de representação que, na minha consciência, se consuma um representar-o-deus-Júpiter sem encontrar aí “naturalmente” algo como o deus Júpiter. Mesmo que ele não seja algo extra mentem. Cf. Hua XIX/1, V, § 11, p. 387. ↩︎

  48. Hua XIX/1, V, § 10, p. 387. ↩︎

  49. Cf. Hua XIX/1, V, § 8, p. 372-376. ↩︎

  50. Hua XIX/1, V, § 14, p. 398. ↩︎

  51. Cf. Hua XIX/1, V, § 19, p. 423, 424. ↩︎

  52. Cf. Hua XIX/1, V, § 18, p. 417-429. ↩︎

  53. Cf. Hua XIX/1, V, § 16, p. 412, 413, grifo do Autor. ↩︎

  54. Cf. Hua XIX/1, V, § 17, p. 414-415, grifo do Autor. ↩︎

  55. Hua XIX/1, V, § 20, p. 428, 430, grifo do Autor. ↩︎

  56. Hua XIX/1, V, § 20, p. 429. ↩︎

  57. Hua XIX/1, V, § 20, p. 430, grifo do Autor. ↩︎

  58. Ambos podemos nos representar o mesmo objeto, a Ilha de Páscoa, por exemplo, mas nossas representações do objeto Ilha de Páscoa serão diferentes. ↩︎

  59. Hua XIX/1, V, § 21, p. 433, grifo do Autor. ↩︎

  60. Cf. Hua XIX/1, V, § 18, p. 418. ↩︎

  61. P. Ricœur, em seu texto “La cinquème méditation cartésienne” (À L’école de la phénoménologie. Paris: Vrin, 1986, p. 196-225) indica que a extensão da quinta meditação cartesiana de Husserl (tão longa quanto as quatro demais meditações juntas) atesta a importância da experiência do outro na Fenomenologia de Husserl. É a “pedra de toque” da Fenomenologia transcendental. ↩︎

  62. Sobre o Idealismo Transcendental, veja-se Ideen I, § 41 em Hua I. Fica por verificar se constituição signifique a criatividade da consciência ou modo, condição na qual a consciência apreende um objeto como tal. ↩︎

  63. O solipsismo, dificuldade na qual a filosofia caiu, especialmente a partir de Descartes, ao ter realizado a separação entre corpo e mente (corpus e mens), consiste na incapacidade de estabelecer relação direta entre os estados de experiência interiores e pessoais e o conhecimento objetivo de algo para além deles, ou seja, do mundo e do outro. ↩︎

  64. “… tout sens naisse dans (in) et à partir de (aus) moi”. Ricœur, P. La cinquème méditation cartésienne. À L’école de la phénoménologie. Paris: Vrin, 1986, p. 198. ↩︎

  65. Em seu estudo “Empatia e ser para outrem”, publicado na revista Phainomenon, Pedro M. S. Alves parte do significado da experiência de um alter ego para analisar os conceitos de ser-para-outrem e de empatia para Sartre e para Husserl. Para tal, vale-se especialmente da quinta das Meditações cartesianas de Husserl e de A transcendência do ego (1936) e O ser e o nada (1943). Alves, P. M. S. Empatia e ser para outrem: Husserl e Sartre perante o problema da intersubjectividade. Phainomenon: revista de fenomenologia, Lisboa, n. 12, p. 123-146, 2006, p. 125. Conforme também p. 127-128. ↩︎

  66. Putnam, H. Reason, truth, and history. Cap. 1: Brains in a vat. Cambridge: Cambridge University Press, 1981, p. 1-21. Disponível em: http://www.cavehill.uwi.edu/bnccde/PH29A/putnam.html Acessado em: 14Maio2008. ↩︎

  67. MC, § 42, p. 116. ↩︎

  68. Alves, P. M. S. Empatia e ser para outrem: Husserl e Sartre perante o problema da intersubjectividade. Phainomenon: revista de fenomenologia, Lisboa, n. 12, p. 123-146, 2006, p. 124. ↩︎

  69. Cf. Ricœur, P. La cinquème méditation cartésienne. À L’école de la phénoménologie. Paris: Vrin, 1986, p. 202. ↩︎

  70. Cf. Ibidem, p. 129. ↩︎

  71. MC, § 43, p. 117. ↩︎

  72. Alves, P. M. S. Empatia e ser para outrem: Husserl e Sartre perante o problema da intersubjectividade. Phainomenon: revista de fenomenologia, Lisboa, n. 12, p. 123-146, 2006, p. 135. ↩︎

  73. Ao que parece, Husserl descreve a “esfera de pertença” partindo de um ego transcendental que percebe “ter um corpo”. MC, § 44, p. 124. ↩︎

  74. MC, § 44, p. 125. ↩︎

  75. MC, § 46, p. 130. ↩︎

  76. Ibidem. ↩︎

  77. MC, § 48, p. 134. ↩︎

  78. MC, § 50, p. 141. ↩︎

  79. Cf. MC, § 52, p. 147. ↩︎

  80. Cf. MC, § 54, p. 153. ↩︎

  81. Mas como se dá o estabelecimento da comunidade das mônadas? Primeiramente se dá na percepção do ser comum da “Natureza”: o corpo do “outro” é inseparável de mim próprio enquanto é o “elemento determinante do meu ser próprio”. O corpo do outro tem uma função co-apresentativa, isto é, tenho consciência de outrem porque ele se revela num illic (ali) absoluto. Este illic é inseparável do hic (aqui) absoluto. É a existência do corpo dado a mim como illic que me permite percepcionar o meu corpo como hic, como “corpo central”, “ponto zero”. (Cf. MC, § 55, p. 156-157). A Natureza, então, é constituída como identidade das multiplicidades. Esta estrutura é-me dada originalmente como pertença. A co-apresentação estabelece uma identidade entre a minha natureza primordial e a natureza representada pelos outros. Secundariamente, o estabelecimento da comunidade das mônadas se dá na percepção do outro como um corpo constituído no interior da minha esfera primordial. Constituo em mim um outro eu, na minha mônada uma outra mônada graças à verificação concordante da constituição aperceptiva (Cf. MC, § 55, p. 160). A verificação concordante estabelece a normalidade e, a partir dela, as anomalias e, inclusive, a animalidade. Progressivamente, todo o mundo da objetividade é constituído. ↩︎

  82. Cf. MC, § 60, p. 176. ↩︎

  83. Cf. MC, § 60, p. 189. ↩︎

  84. MC, § 56, p. 164. ↩︎